Arquivos sobre crianças cadeirantes
Adolescência da pessoa com deficiência dentro de uma sociedade inclusiva
A adolescência da pessoa portadora de deficiência de um modo geral, excetuando-se algumas particularidades, ocorre de forma semelhante a qualquer jovem, sendo marcada por mudanças nas dimensões bio, psico, sócio e espirituais.
Do ponto de vista físico, ou dimensão biológica, acontece uma transformação no corpo, devido aos hormônios sexuais que, atuando de modo diferente nos meninos e nas meninas, norteiam a consolidação dos caracteres sexuais secundários.
Os hormônios sexuais transformam em um tempo muito curto a forma externa e interna do corpo, transformam a menina em mulher e o menino em um homem, porém, a alma de criança parece meio desajeitada frente a tantas mudanças.
O adolescente, "PPD ou não" deve ser levado a sério, porque em nenhuma fase da vida é tão intenso o choque entre o novo e o velho modo de ser.
É a fase do idealismo e da luta heróica para mudar o mundo e a nós mesmos.
O dilema central da primeira fase da adolescência é a separação interna e externa do mundo da criança do mundo adulto. Todos se sentem meio perdidos nesta fase, sonhando com Peter Pan e a "Terra do Nunca", em que ninguém precisa crescer.
Perdemos rapidamente roupas, brinquedos, tempo livre, o interesse por atividades infantis e ganhamos o acesso ao mundo adulto, cheio de emoções novas e intensas.
É difícil se despedir da criança que vive dentro de nós, mas inevitavelmente, temos de deixá-la ir viver nas memórias, no fundo do inconsciente, enterrar o passado, fazer o luto e continuar o crescimento.
Surge então uma fase de busca de independência e autonomia em todos os sentidos, físico, psicológico e espiritual, o desejo de ter mais poder pessoal frente ao grupo de amigos que, agora substituindo os pais, se torna o grupo de referência.
Descobrimos que existem outros seres como nós, que também acabaram de se tornar adolescentes. Podemos reconhecê-los facilmente, pois são: desajeitados, tímidos, às vezes atrevidos, usam roupas estranhamente atraentes, parecem uma turma, uma gangue, uma turba, um bando - precisamos e desejamos encontrar nossa galera.
A fase de grupo pode ser adiada naquele indivíduo portador de deficiência que vive encapsulado, restrito, em casa, sem acesso ao lazer de sua idade, superprotegido ou vivendo em exclusão social. Se este for o caso, a futura personalidade adulta pode apresentar dificuldades de relacionamento interpessoal, de nível variado, chegando ao isolamento afetivo e à depressão. É interessante lembrar que o adolescente PPD precisa de convivência em ambientes inclusivos.
O adolescente vive o conflito entre ser grupo e indivíduo, ou seja, os limites entre a dimensão psicológica e social. Podem surgir conflitos de identidade sexual de maior ou menor intensidade, dependendo do grau de estruturação da personalidade e dos padrões de família internalizados. Neste aspecto, os modelos de identificação saudáveis facilitam este processo. Explicando um pouco mais: o jovem adolescente que tem ou teve um pai e uma mãe ou "substitutos eficientes" afetivamente presentes, internalizam essas referências como uma bússola no meio do labirinto em busca da identidade individual. Algumas pessoas, muitas infelizmente, passam para a fase adulta sem resolver os conflitos desta fase específica da adolescência.
O adolescente também percebe o prazer no próprio corpo e o despertar do desejo muitas vezes é sentido como pulsão quase incontrolável, em conflito direto com valores e nossa moral internalizada. O jovem busca a vivência dos relacionamentos afetivos-sexuais, mas não domina a arte da sedução, sente-se inseguro frente ao sexo oposto, como conquistar sem assustar, como ser popular na escola, no clube, no grupo de amigos, nas festas, nos aniversários, como falar de sentimentos sem parecer mais vulnerável, como compreender a diferença sutil entre amizade e namoro, entre paixão e tesão, entre amor e obsessão.
Os primeiros contatos intencionais sexuais com o corpo de outro, despertam a curiosidade e o medo de abusar e de ser abusado, o primeiro toque, as carícias, o primeiro beijo, a primeira transa, tudo é novidade, é descoberta, não existe tédio a dois, mas a realidade é que o encontro genuíno raramente acontece, seja por nossas dificuldades ou as do outro para entrar de cabeça e coração no universo do amor.
Não é difícil acontecerem excessos: as bebedeiras, as brigas, as más companhias, as drogas, a masturbação compulsiva, os sentimentos de onipotência e arrogância, as depressões e sensação de perda, a necessidade de intimidade e solidão saudável, e o abandono e o desamparo de alguns. É muito difícil, tanto para os pais, quanto para o próprio adolescente, saber os limites entre a intolerância (por parte dos pais) e a falta de freio (dos filhos).
O único antídoto para a adolescência é crescer. Crescer implica fazer escolhas, assumir a responsabilidade pelos próprios atos, um processo de amadurecimento lento e progressivo, com altos e baixos, e a família tem um importante papel: não atrapalhar, aguentar a angústia e fazer os curativos necessários após as inúmeras quedas. O adolescente precisa de vivências para crescer, não precisa experimentar tudo, mas também não pode ser um ingênuo frágil.
Os pais devem facilitar o corte das ligações simbióticas ou superprotetoras, porém tentando evitar a rebeldia dos adolescentes criados por pais ausentes. O conceito de família vai estar em xeque, pois o adolescente cobra coerência entre o discurso e a prática, as regras da casa, da família e da comunidade, para que consiga internalizá-las e interpretá-las de um modo natural, sem incoerências. Porém, aquilo que deve ser mudado jamais resistirá por muito tempo à argumentação aguda de um adolescente motivado; os pais devem se lembrar que diante de um ser em mudança constante, precisam ser flexíveis e adaptáveis.
O adolescente saudável, PPD ou não, vivendo em uma sociedade inclusiva, direciona sua imensa força jovem para os esportes e o desenvolvimento de um corpo equilibrado, possuindo uma autoimagem real mesmo que seu corpo seja diferente, evita a violência gratuita, mas sabe se defender, tem consciência dos limites físicos, sociais e econômicos, mas não é acomodado nem descamba para a marginalidade, usa seus recursos criativos para expandir seus horizontes, usa a linguagem típica do grupo de referência, as gírias e os palavrões, mas sabe se comportar quando o contexto exige.
A adolescência também é marcada por escolhas, sendo de suma importância os conceitos gerados pela escolha profissional. O indivíduo se percebe cobrado pelos pais, professores e até amigos sobre algo que muitas vezes ele não está pronto para se comprometer, "o futuro". A escola tem sua parcela de responsabilidade no aumento da ansiedade e angústia do adolescente; como o ensino tradicional é muito teórico e preparatório, deixa pouco espaço para a imaginação, a criatividade e a vivência.
Muitas vezes o adolescente PPD é poupado da angústia de ter que se tornar produtivo como todo mundo, o que é um ganho secundário prejudicial para o amadurecimento, pois por mais severa que seja a deficiência, todo ser humano necessita contribuir com sua parcela para a produção da qualidade de vida de todos. Pais, professores e profissionais devem se lembrar da importância do trabalho e não poupar o PPD da angústia normal da escolha profissional e dos enfrentamentos daí decorrentes.
Mas mesmo no adolescente "normal" ocorrem boicotes à vivência saudável do ensaio e erro. O primeiro emprego é adiado até o final da formação acadêmica, a mesada quando é utilizada nem sempre serve como instrumento da educação psicofinanceira, o adolescente cresce com grandes dificuldades em lidar com documentos, dinheiro, e a vida burocrática do mundo atual. Tanta imaturidade para lidar com o mundo concreto gera insegurança e frustração.
Enfrentamos uma intensa crise na identidade do adulto, homens e mulheres ascendem ao mundo adulto mantendo conflitos adolescentes mal resolvidos.
Para superar a crise atual da maturidade, precisamos de mais poder masculino e feminino amadurecido, é preciso que exista a morte simbólica do ego adolescente: o antigo modo de ser, agir, pensar e sentir tem de desaparecer para que o novo homem possa surgir, com um poder e força central desconhecidos, os quais despertam na personalidade adulta do homem e da mulher, atributos de mais calma, compaixão, clareza de visão e capacidade geradora.
Artigo de autoria do psicólogo e sexólogo Fabiano Puhlman Di Girolamo - Jornal Terra Azul, NOSSO LAR.
Digitado em São Paulo por Maria Amélia Vampré Xavier, Rebraf SP, Carpe Diem SP, Sorri Brasil, SP, Fenapaes, Brasília, Inclusion InterAmericana e Inclusion International.
Fonte:Planeta Educação - 15/10/2010
Matéria postada no blog da APNEN: 16/10/2010
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