"Vamos politizar e fazer chorar", promete Marcelo Rubens Paiva sobre abertura dos Jogos Paralímpicos.


Em entrevista exclusiva ao Rio2016.com, diretor criativo fala de sua experiência com os esportes e inspirações para a festa

Entre um chope e um bolinho de bacalhau, Marcelo Rubens Paiva esquece ser o detentor dos segredos mais cobiçados dos Jogos Paralímpicos. Ele conta sem filtros os detalhes da cerimônia de abertura e, por vezes, dispara: “Ixi, isto não pode publicar!” Mas com um copo aqui e outro ali, o escritor e dramaturgo paulistano acaba liberando curiosidades sobre a gigantesca festa de quase três horas de duração, que acontece no Maracanã em 7 de setembro.

"A gente politizou a nossa cerimônia”, adianta Paiva, 57, que divide a direção criativa da abertura com o artista plástico Vik Muniz e o designer Fred Gelli. Os três trabalham juntos desde 2014, quando começaram uma série de workshops. Eles também fizeram viagens aos EUA para realizar pesquisas de campo em espetáculos de Las Vegas.

Cadeirante desde os 20 anos e nadador desde os seis, Paiva é autor de obras premiadas como o livro “Feliz Ano Velho” (1982) e a peça “E aí, Comeu?” (1998). Ele continuou escrevendo nos últimos anos e lançou “Ainda Estou Aqui” (2015), sobre sua mãe, e no próximo semestre publica um livro sobre o movimento punk brasileiro. Em uma conversa com o Rio2016.com, num de seus bares favoritos do Rio, ele fala sobre a influência de sua literatura na cerimônia e a descoberta pessoal dos Jogos Paralímpicos.

Marcelo Rubens Paiva, Fred Gelli e Vik Muniz (Foto: Alex Ferro/Rio 2016)

Rio 2016 - Quais suas memórias de Jogos Paralímpicos?
Paiva - Fui convidado para cobrir os Jogos Atenas 2004. Fui mais interessado na viagem de graça e, quando cheguei lá, vi a abertura, a quantidade de atletas, delegações, fiquei impressionado. Percebi que tinha os olhos da pessoa preconceituosa que não conhece o esporte Paralímpico, que acha que são uns coitadinhos tentando reproduzir o esporte dos adultos.

Rio 2016 - Quais imagens ficaram desta primeira experiência?
Paiva - Lembro de uma atleta que, brincando, eu apelidei de vírgula, porque ela não tinha os braços e uma perna. E ela nadava como se fosse um golfinho. E eu vi aquela mulher nadando, era a coisa mais linda do mundo, era muito rápida. Eu nado três, quatro vezes por semana, é o meu esporte.

Prova de natação nos Jogos Atenas 2004 (Foto: Brian Bahr/Getty Images) 

Rio 2016 - Como é organizar uma grande festa num momento de turbulência política no país?
Paiva - Fico muito aflito. Sou um cara de esquerda, rebelde, protesto contra a corrupção. Sinto que a gente está fazendo o que precisa ser feito, cumprindo uma missão. Só daqui a cem anos é que haverá outros Jogos, se houver, no Brasil. Quando começou aquele protesto ‘não vai ter Copa’, eu olhava aquilo e dizia, ‘vocês são ridículos’. Vai ter Copa e vai ser lindo. E foi.

Rio 2016 - Qual a mensagem que a cerimônia quer passar para o Brasil e o mundo?
Paiva - A gente politizou nossa cerimônia, foi proposital, eu bati muito o pé. Começa com bom humor para mostrar que deficiente também ri, também se mete em situações engraçadas, para derrubar o estereótipo do tristinho. E mostrar solidariedade, que nós nos ajudamos, que as pessoas nos ajudam, por boa vontade. Durante minha vida toda, nunca ouvi alguém se recusar a me ajudar, e isto acontece com todos os deficientes. A gente desperta o que há de bom no homem.


Rio 2016 - Pode dar algum exemplo de como vamos ver isto na abertura?

Paiva - Não posso dizer muito, mas no final da cerimônia, um cara com deficiência passa por uma dificuldade, e o estádio, de certa forma, ajuda. Fiz política estudantil, minha família combateu a ditadura. Desde que me tornei deficiente ativista, a minha política é através dos movimentos de deficiência.

Rio 2016 - Já que você não pode falar como vai ser a cerimônia, então como não vai ser a cerimônia?
Paiva - Não vai ser piegas, não vai envergonhar. Você vai chorar de emoção, em alguns momentos. Vai ser quase como um truque de mágica, com muitos ‘pop-ups’, como aquele livro infantil, sabe? Com muita ilusão de ótica. O Vik adora mágica.

Rio 2016 - Como fazer algo cheio de emoção fugindo do piegas?
Paiva - É algo do qual me orgulho muito. E não foi só minha presença que fez isto rolar. Nosso time tem pessoas bastante modernas, contemporâneas, que convivem com a diversidade. Não tive dificuldade nenhuma de impor uma ideia. Às vezes tinha que chamar para uma realidade.


Rio 2016 - Que realidade?

Paiva - Nos primeiros workshops, algumas vezes eu tinha que fazer eles fugirem do lugar comum, refletirem um pouco mais profundamente sobre o esporte de deficientes, como as deficiências devem ser vistas. Foi muito fácil, eles pegaram muito rápido, porque são artistas, pessoas brilhantes. Acho que o clichê é a pura preguiça de criar.

Rio 2016 - Vai ser mais Las Vegas, ópera, Broadway ou Carnaval?
Paiva - Vai ser mais Coney Island (ilha famosa pelo parque de diversões em Nova York). Sabe aqueles truques, mágicos, malabarismos, aquela coisa circense? Fomos em cerca de seis shows em Las Vegas, do mais simples ao mais sofisticado, e a gente se prendeu na qualidade profissional que é possível atingir.

Alguns dos itens que serão usados na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos (foto: Rio 2016/Alex Ferro)

Rio 2016 - A cerimônia Olímpica tem mais dinheiro e mais atenção. Rola uma rivalidade?
Paiva - A gente quer fazer melhor que eles, claro. Eles estão meio enrolados, e a gente é mais livre, isto que é legal. Trocamos muita informação, as equipes trabalham juntas. A gente sabe que a prioridade é o Olímpico. Nós vamos partir para o lado B, e o lado B é tão bom quanto o A, às vezes até melhor. Somos a turma do fundão, dos malucos. A gente está propondo coisas muito doidas e estão aceitando tudo.


Rio 2016 - O que você traz da sua experiência literária para a cerimônia?


Paiva - Todos os segmentos têm curvas dramáticas, é muito ópera. E tudo precisa de dramaturgia. Tudo o que aprendi em literatura aflora aqui. O que você verá é o funil de um balde de ideias que ficaram para trás, e muitas estão no meu inconsciente. O escritor é solitário, e agora trabalho com pessoas muito alto nível. Sou o autor da Praça Roosevelt (popular área dedicada ao lazer e à cultura no centro de São Paulo) que conheceu o Cirque du Soleil.

Fonte Rio 2016
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