Nascer com ou adquirir uma deficiência não exclui a sexualidade de ninguém


Por Leandra Migotto Certeza

Eu sempre fui vaidosa mesmo em meio a gessos, dores, formas contorcidas, e falta de pernas. Sempre gostei muito de sorrir. Sempre senti vontade de me mostrar. De me exibir. De me amar. De me querer. Quando tinha cinco para seis anos fiz meu primeiro ‘ensaio’ fotográfico. Posei para minha tia. Fantasias mil… Vestiram-me de coelhinha (não a da Playboy rsrsrs), palhacinha, indiazinha… Fiz ‘caras e bocas’. Sorri. Fui feliz. Muito feliz. 


Depois vieram os carnavais. Desfilei de melindrosa, fadinha… Dancei no colo, tomando emprestadas as pernas do meu pai e dos meus tios amados. Gostava de me exibir! Contaram-me que antes desses tempos eu já gostava de posar para fotos. Que sempre gostei de me mostrar. Por que será? Ainda bem. Só depois que descobri o quanto isso foi bom para minha vida. Muito mais do que auto-estima e tralalás – como dizem os especialistas – eu simplesmente me AMAVA. Em meio a uma sociedade cheia e impregnada de supostos ‘valores morais’, infestada de pré-conceitos sobre o que é certo e o que é errado, apenas fui eu mesma, sem medo de ser FELIZ (como sabiamente disse o querido compositor brasileiro, Gonzaguinha).

Porém, quando a adolescência chegou tive vergonha de assumir que me gostava. Pensava: o que as pessoas vão dizer? Sei que não sou mais criança (há muito tempo toquei meu corpo e senti vida pulsando!), mas ainda tenho tamanho de uma. E me tratam como se fosse… Sexo? Eu? Como? Não posso, mas quero. Quero tanto! Minha ‘mãe’ interior dizia que eu ficava feia de saia. Meu ‘pai’ interior não queria que eu usasse batom.

Na época as meninas falavam de vestidos, saias, saltos altos, valsas, cabelos longos, maquiagens… Eu ia me formar na antiga oitava série, e tinha vergonha de me mostrar como era: uma menina que estava desabrochando. Pelos seios que cresciam em meu pequeno corpo, quadris que se alargavam junto as minhas curtas pernas, pêlos que apareciam em lugares ‘proibidos’, e principalmente pela grande vontade de beijar na boca!

Depois vieram as baladas, as festas, as noitadas… E eu nunca freei meus desejos. Dancei até cair nas pistas. Vesti mini-saias. Caprichei nos decotes grandes. Abusei dos brilhos. Soltei os cabelos. Usei salto alto (na medida do possível). Vesti meias arrastão. Fiz cara e bocas. Seduzi a vida! O encontro com o sexo, veio muito tempo depois. Infelizmente, como grande parte das pessoas com deficiência, fui sempre taxada como assexuada. Dei meu primeiro beijo na boca só aos 21 anos.

Antes os meninos riam de mim. Não se aproximavam. Deviam me achar mesmo uma ‘aberração da natureza’ por sempre se afastar das minhas investidas. Sempre fui olhada, observada, esquartejada, detalhada… Sempre fui comentada, cochichada, fofocada, julgada… Poucos se aproximavam para me conhecer. Ainda não os compreendo, mas não os culpo muito (só um pouco). Mas naquela época foi MUITO duro viver. Era muito duro entender que comigo tudo parecia ‘meio diferente’. Roupas tinham que ser feitas ‘na medida’. Afinal, nasci em uma sociedade que valoriza o equilíbrio, a beleza perfeita, o linear, a sincronia, a coerência, a igualdade das formas… Resumindo: o ideal da perfeição que não existe nesse Planeta.

Hoje eu brado em todos os cantos do mundo que todos os seres humanos são DIFERENTES. Todos sem exceção. Para mim a beleza é a forma CALEIDOSCÓPICA que TODAS as pessoas têm. Beleza, sedução, sensualidade, sexualidade, amor, paixão, sexo, tesão e desejo são energias tão sutis e tão FORTES que estão em tudo que fazemos.

Porém, lá no fundo, me questionava: porque eu ainda temia mostrar a todos que gostava de mim mesma sendo diferente delas? Não sei. Até hoje me pergunto, porque sofri tanto me preocupando com a opinião dos outros… Mas como dizem os especialistas só construirmos nossa imagem pelos olhares dos outros. Para Ana Rita de Paula, (doutora em psicologia clínica), Mina Regen e Penha Lopes, (assistentes sociais) autoras do livro: “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”: “como o novo sempre nos assusta, procuramos nos vincular ao já conhecido. E, assim, buscamos refúgio nas imagens que a sociedade, geralmente, nos apresenta tanto de sexualidade (sexy é quem exibe um corpo supostamente ‘perfeito’ e simétrico, segundo os padrões de beleza e estética da mídia); quanto das pessoas com deficiência (alguém que erroneamente supomos ser imperfeito, incapaz, frágil, e que não pode fazer parte da sociedade dita ‘normal’)”.

O mais difícil para o desenvolvimento da minha sexualidade foi mostrar para minha família e amigos que eu cresci. Que não sou criança e nem assexuada!! Quando comecei a namorar o meu atual marido ouvi comentários terríveis que me rasgaram por dentro. As pessoas que eu mais amo na vida, não acreditavam que eu pudesse ser, simplesmente, FELIZ.

Hoje, eu e meu marido, somos aceitos pela maioria dos amigos e familiares, mas ainda conhecemos muitas pessoas que os pais de pessoas com deficiência não aceitam que seus filhos têm sexualidade. Por que será que é tão doloroso para eles assumirem que seus filhos podem ser felizes se realizando na cama (no sofá, no chão, na escada, no elevador, no…) com seus corpos, simplesmente, diferentes? Espero que um dia, todos aprendam que a simetria e a perfeição foram conceitos criados por eles mesmos, e, portanto, podem ser destruídos a qualquer momento!


Veja o texto completo: Inclusive
Tecnologia do Blogger.