De cadeirante a rainha de escola de samba: conheça a história de Shaiane


Quem observa Shaiane Silva Porto, 19 anos, sambar na passarela em cima de um salto de 20cm, não imagina os momentos difíceis pelos quais a jovem, que é rainha da escola de samba Império do Sol, de São Leopoldo, passou para alcançar um sonho. Dona de um sorriso contagiante que se sobrepõe às cicatrizes, a dançarina teve de aprender a lidar com as dificuldades no auge da adolescência. 

— Sempre quis trabalhar com atividades que necessitassem o uso das pernas. Para mim era certo: ou seria jogadora de futebol, ou dançarina — comenta.

A jovem porto-alegrense viu seu mundo cair há quatro anos e meio. Após um grave atropelamento, um médico falou para ela esquecer suas duas paixões, pois perderia os movimentos da perna direita.
— Imagina eu, com 15 anos, saber que nunca mais iria poder correr e fazer tudo que eu mais gostava. Foi como se o mundo tivesse caído para mim naquele momento —relembra a jovem, emocionada.
Apelidada de Martha ainda pequena, em alusão à jogadora de futebol, Shaiane sempre foi uma menina que gostava de esportes. Ela morou até os 12 anos no Bairro Lindoia, com os avós, e depois voltou para a casa dos pais, no Passo D'Areia. Foi lá onde o gosto pelo futebol surgiu.

Acidente

Foi no dia 26 de junho de 2011 que a jovem sonhadora viu sua vida mudar em minutos. Após comemorar o segundo lugar que seu time de futebol tirara em um campeonato, ela voltava a pé para casa com um tio e uma prima, quando um carro invadiu a calçada, atropelando e lançando a garota por 6m.

— Só deu tempo de eu empurrar minha prima para não ser atingida, mas o carro veio com tudo em cima de mim. Desmaiei na hora. Quando acordei, estava deitada em meio ao matagal de um clube de golfe e alguns seguranças me procuravam com lanternas — conta.

Ela lembra que tentou se levantar, mas sua perna direita não respondia aos comandos. Como resultado do acidente, uma árvore atravessou o braço da jovem, além de quebrar a mão direita, o pé, a tíbia, o joelho, o fêmur, trincar a bacia, ter hemorragia no rim, ter de drenar o pulmão, um corte na cabeça e machucar o fígado.

— Fiz duas cirurgias, no pulmão e na perna. Saber que eu não poderia mais andar foi um grande choque pra mim — relata.

Recuperação

Depois do acidente, Shaiane passou cinco meses deitada em uma cama, na casa dos avós.

— Eu não tinha vontade de levantar, tudo era muito difícil. Precisava de ajuda no banho, para comer, para me locomover, para tudo — explica a menina.

Ela lembra que a família mal tinha dinheiro para comprar os remédios para que os cortes pelo corpo cicatrizassem mais rápido. Quando decidiu sair da cama, por insistência das irmãs, conseguiu uma cadeira de rodas.

— Foram mais cinco meses como cadeirante. As minhas três irmãs, Monique (22 anos), Alessandra (15) e Thainá (13), começaram a fazer massagem na minha perna todos os dias. No início, eu não sentia nada, até que, aos poucos, passei a sentir algumas partes quando elas tocavam.

Em 2012, querendo agradar Shaiane, as irmãs levaram a jovem para ver o antigo campo de futebol. Ao chegar lá, os velhos amigos a chamaram para voltar a jogar.

— Eu já estava sentindo mais a perna, mas não conseguia ficar em pé. Eles insistiram para que eu desse o primeiro chute do jogo. Todos me seguraram para que eu levantasse da cadeira e falaram para eu chutar com a perna direita, a que estava machucada. Eu me esforcei e quis realmente que aquilo acontecesse. Quando percebi, tinha chutado a bola. Foi quando vi que eu poderia me recuperar sim, que se eu tinha conseguido aquilo, poderia fazer muito mais coisas.

Somente em 2014 Shaiana procurou ajuda da fisioterapia, mas os profissionais indicaram que ela reforçasse a musculatura das pernas com musculação. Por não ter dinheiro para pagar a mensalidade, ela está na fila de espera para fazer atividades físicas no Centro de Comunidade da Vila Floresta (Cecoflor).

Carnaval foi o empurrão que faltava

Devagarinho, ela foi ficando em pé. Com a esperança retomada, ela entrou em uma companhia de dança, a Brazil Estrangeiro, para recuperar a força da perna que tinha ficado dormindo por quase um ano. Foi lá que seus professores, Carla Pires e Mário Terra, com experiência no Carnaval, indicaram que ela participasse de alas de escolas de samba.

— Sempre gostei da folia de Carnaval. Desde pequena ficava assistindo pela tevê e sambando em casa. Entrar para a companhia foi o que mais me reforçou, eles que me deram um empurrão para desfilar — afirma.

Alguns meses de esforço e a jovem havia não só conseguido caminhar sozinha, mas sambar. No Carnaval de 2014, Shaiane desfilou nas escolas Vila Isabel, Praiana e Imperatriz Dona Leopoldina e, em 2015, foi destaque na Tinga. No fim do ano passado, acabou entrando para a Império do Sol, de São Leopoldo.

— Meu namorado toca na bateria da escola e eu quis conhecer. Cheguei lá com a intenção de tocar ganzá na bateria, mas o presidente acabou me convidando para representar a escola e ser a rainha.

No concurso para Rainha do Carnaval de Porto Alegre, Shaiane acabou não ficando entre as três vencedoras, mas garante que já está muito feliz por tudo que conquistou até o momento. Formada no ensino médio, a jovem que busca emprego relembra a ajuda que teve para poder participar do concurso na Capital, com fantasia e sapato emprestados e até uma vaquinha para pegar ônibus. 

— Já estou muito feliz por tudo que tem acontecido comigo. Ser a rainha da escola é como uma forma de agradecer a todos que me ajudaram até agora — comemora.

— Se eu ainda tiver o direito de sonhar, quero muito um dia poder voltar a jogar futebol, pois hoje ainda não aguento muito tempo em campo, e também ser bailarina. Outra grande vontade é dançar no programa Esquenta!, da Regina Casé, na Globo.

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