Um banho de mar sem hora marcada!

Texto: Daniella Barza



Nos últimos anos, a maneira como falamos sobre acessibilidade mudou profundamente. Ao que parece, vozes que estiveram ausentes das discussões públicas agora podem ser ouvidas, em claro e bom tom. Embora, às vezes, eu me preocupe com o fato das pessoas com deficiência e as sem deficiência ainda estarem ausentes dessas discussões sobre acessibilidade, na minha vida pessoal isso trouxe muitas discussões, todas desejosas por criar uma sociedade mais inclusiva e igualitária, e questionamentos sobre o que fazer para apoiar pessoas com deficiência na vida cotidiana. Tenho uma motivação muito verdadeira e íntima. Meu filho Joaquim, 12, que tem paralisia cerebral.

A minha vida é discutir inclusão e acessibilidade. Não brinque com uma mãe ativista. Somos empoderadas e muitas vezes falamos pela cria. Configura-se aqui, então, uma mulher onça, que sim, luta para construir um Pernambuco Inclusivo.

Por exemplo: ir à praia, que é uma simples atividade para muitos, se torna uma grande barreira para mim, quando levo meu filho. Há um grande trecho que fica bastante cansativo para administrar com uma criança no colo.

Meu filho Joaquim, que possui Paralisia Cerebral, tem 12 anos e 47 quilos. Ele ama o mar, tomar banho e brincar na areia, mas isso ainda é um sonho distante da nossa atual realidade, pois Joaquim é uma pessoa em cadeira de rodas. Então comecei a refletir sobre esse triste dilema... E vejo por todos os lados as pessoas dizendo que existe praia acessível em Recife. Não é verdade.

Existem projetos onde colocam tapetes de acessibilidade com hora marcada, dia determinado, que funcionam apenas no final de semana e até o meio dia. Não queremos ter hora marcada para ir à praia. Queremos ir à praia de dia, de noite, na lua cheia, sentir o cheiro de maresia. Queremos acessar a areia e para isso se faz necessário rampas e passarelas fixas instaladas em trechos na praia. E sinceramente, é bem simples fazer, tanto que muitas praias brasileiras já oferecem. Temos DIREITO ao lazer. E a praia deveria ser um lugar democrático. Mas cadeiras de rodas atolam na areia e, infelizmente, ainda não estamos convidados a areia.

Quero que todos saibam que pessoas com deficiência são indivíduos, por isso, falem conosco, troquem ideias, não temos vergonha de ser como somos, pelo contrario, temos orgulho de nós, somos um montão de coisa por dentro. Por favor, nos ouçam e respeitem nossas vozes. Faço minhas críticas, desabafos necessários e, na minha concepção, não cabe às pessoas sem deficiência decidir que tipo de igualdade é razoável e o qual vai longe demais. Ou você é um aliado de todas as pessoas com deficiência ou não é. Ou tem empatia, ou não.

A maioria das atividades sociais gera um trabalho físico e emocional adicional às pessoas com deficiência. Antes de ir com meu filho a algum lugar novo, preciso descobrir se o lugar, incluindo banheiros, está acessível. Assim como tudo deveria estar acessível, para todas as deficiências: será que o novo programa que gostaríamos de assistir nas ofertas da Netflix tem descrição de áudio? Ou uma peça que gostaríamos de ver terá interpretação em língua de sinais? Pode parecer pequenas coisas (um telefonema aqui, um e-mail lá), mas são detalhes que somam, entopem nossos dias e nos sobrecarregam.

Até mesmo quando compartilho esse texto, onde conto um pouco sobre minhas dores e adversidades ao lado do meu filho (e descrevo o a rotina trabalhosa) e reclamo que nossa praia não é acessível, ainda assim, muito provavelmente corro o risco de não ser ouvida. Mais superficiais que nunca, talvez, os pouco empáticos pensarão que é drama ou exagero. É preciso que o governo e as gestões nos escute: a nós, pessoas com deficiência. E faça um trabalho de acesso para nós. Acesso ao lazer, à escola, à cidadania. É a sociedade civil organizada precisa fazer a sua parte. A inclusão é um processo que demanda muito esforço coletivo!

Quem organiza um evento, por exemplo, público ou privado, é sempre extremamente útil se a descrição ou convite já indicar que tipo de acesso é fornecido. Não apenas suponha que já sabemos ou, se for um evento aberto, que as pessoas com deficiência não vão aparecer de qualquer maneira.

Não existem caracteres suficientes neste teclado para que eu possa descrever as lutas que enfrentamos. E ainda assim, não queremos sua piedade, nem queremos ser simplesmente sustentados como inspiração. Não queremos ser heróis. Não somos heróis nem guerreiros. Somos seres humanos, com nossas características diferentes e antes da deficiência, existe uma pessoa.

Empatia e um verdadeiro desejo de entender os problemas que enfrentamos, são muito mais úteis.

Mesmo que passemos por dificuldades que estão diretamente relacionadas aos nossos filhos e colegas com deficiência, pena não é a resposta pra nós. Isso poderá realmente nos fazer sentir pior sobre nós mesmos. É claro que passamos por muitas situações tediosas e porque não dizer, tristes, mas com certeza, muitas das nossas experiências negativas vêm de uma falta de acesso ou de atitudes negativas. A maior barreira ainda vem do outro, é a chamada barreira atitudinal.

Eu: mulher, empoderada e mãe de um garoto com deficiência, sou ativista e luto arduamente por tudo que nos aproxima da igualdade. Sei que ainda tenho um longo caminho pela frente. Não vou soltar da tua mão, Joaquim. Essa luta é nossa! Quebraremos este sistema!

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