ATLETAS OURO NA BOCHA MOSTRAM EM SUAS HISTÓRIAS O VALOR DO ESPORTE COMO INCLUSÃO.


Antônio Leme e Evelyn Oliveira comemoram medalha

 Das 12 medalhas de ouro conquistadas pelo Brasil na Paraolimpíada do Rio, uma delas, a da bocha classe BC3, para pessoas com restrições severas de movimentos, se destaca pelo simbolismo e pelo incremento do valor do esporte no país como instrumento de inclusão.

Evelyn Oliveira, 39, o cérebro e a estrategista do grupo, e Antonio Leme, 48, o coração e a emoção das disputas, mais Evani Soares Silva, 26, que não chegou a atuar em quadra, a bordo de suas cadeiras de rodas motorizadas e com auxílio técnico para selecionar as calhas -que projeta bolas para a frente-, protagonizaram um dos momentos mais marcantes dos jogos, ao gritarem de alegria quando venceram, na final, a favorita Coreia do Sul por 5 a 2 na última segunda-feira (12).

Por trás da conquista dos dois paulistas que, em jogos nacionais, são rivais por títulos e estavam havia anos tentando compor a seleção brasileira de bocha, há o enfrentamento de desafios cotidianos básicos, como o ir e vir, para se manterem atletas.

Antônio, o Tó, treina há dez anos em Jacareí, no interior de SP. Como teve, em razão de paralisia cerebral ao nascer, reflexos diversos no corpo e na fala -usa o pé direito para manusear os controles da cadeira de rodas e o nariz para digitar ao celular-, tem os irmãos Rosangela, Osvaldo e Fernando como apoiadores e suporte dentro e fora das arenas.

"A bocha mudou a minha vida. Amo o que eu faço", diz Antonio, cujas falas são interpretadas por Fernando, seu braço direito.

O hoje campeão paraolímpico viveu até 2012 vendendo salgados, doces, jornais velhos e bananas de sua cidade. No final do dia, não raro era assaltado e perdia tudo o que havia ganhado com o trabalho. Por mais de dez anos, não teve cadeira de rodas moderna e se deslocava em um modelo manual, com a força de uma das pernas.

Foi alfabetizado em casa porque nenhuma escola o acolheu inclusivamente.

"Mexiam comigo, me humilhavam e riam de mim. Aprendi a ler e escrever bem mais tarde. E foi com o esporte que encontrei meu caminho. O esporte tem condição de mostrar que somos iguais."

O atleta treina no clube da Cepac (Associação Criança Especial de Pais e Companheiros) e lamenta ter começado tarde a ser esportista (com mais de 30 anos).

CÉREBRO

Enquanto Tó tem sorriso aberto e muita expressividade, Evelyn, que treina pelo Sesi-SP e mora em Suzano, é mais tímida e compenetrada.
Mantém unhas compridas e coloridas e os cabelos bem-arrumados. Em competições, fica compenetrada na técnica e na escolha das melhores calhas para atingir o objetivo de pontuar -aproximando mais bolas da equipe de uma bola de referência lançada no início da partida.

Para ela, a conquista do ouro é consequência de um trabalho que gera resultados desde 2013. "Foi diferente chegar à final com os melhores do mundo e ganhar, mas sabíamos que era possível".

Nascida em berço humilde, com pai vigilante e mãe auxiliar de enfermagem, ela treina três vezes por semana por até oito horas. Ao ser diagnosticada com atrofia muscular espinhal, enfermidade degenerativa que também acomete seu irmão, Anderson, igualmente atleta da bocha, recebeu a sentença de que viveria até os 14 anos.

Medalhistas de ouro do Brasil da esquerda para a direita, Evelyn Oliveira, Antônio Leme e Evani Soares

"Meus pais sempre fizeram de tudo para que eu e meu irmão tivéssemos boa qualidade de vida. Nos deram alfabetização em casa porque as escolas nos rejeitaram. O acesso à educação formal e a uma cadeira de rodas só tive aos 18 anos", declara.

Segundo Evelyn, a bocha exige investimentos pesados para os atletas com deficiências graves. "Precisamos trocar sempre os equipamentos, que são importados e muito caros, precisamos de apoio técnico, carros adaptados."

A campeã paraolímpica, que estuda publicidade e propaganda, afirma estar preparada para a evolução natural de sua doença, que pode tirar-lhe ainda mais mobilidade e sua competitividade.

"A bocha é um esporte inclusivo, um esporte de possibilidades. Por mais que a deficiência venha a avançar, se houver o desejo e a vontade de jogar e disputar, existem novas formas de adaptação para se manter competitivo."

Sobre o futuro, ela diz que é um ponto de interrogação.

"Aqui [no Rio] o clima está maravilhoso. A torcida foi fantástica. As pessoas nos abraçam, querem fotos, contato. O futuro, ainda não sei. Penso que teremos muita pressão por mais resultados. Espero contar com os apoios de que precisamos."


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