Como é dirigir um carro adaptado para pessoas com deficiência



A experiência me deixou tão tenso quanto na primeira vez em que assumi sozinho o volante. Teria que dirigir um prosaico Nissan Versa, versão topo de linha Unique, com motor 1.6, câmbio CVT e... adaptação especial para “PCD”, sigla de “pessoas com deficiência”.


Há inúmeros tipos de transformação. No caso do carro testado, todos os comandos estão ao alcance das mãos, para tornar possível a condução por alguém que não tenha ou não mova os membros inferiores. Afinal, segundo a lei, qualquer pessoa com no mínimo dois membros (sejam superiores ou inferiores) funcionais pode dirigir um veículo.


A adaptação em questão transforma totalmente a experiência de dirigir. Logo abaixo do volante, à esquerda, há um manete que exerce a dupla função de frear ou acelerar. Basta puxar para ganhar velocidade ou empurrar para diminuir.

Na mão direita, um pomo parecido com uma bola de beisebol facilita a tarefa de girar o volante além dos 90 graus. É tudo bem intuitivo e simples, mas é preciso reeducar os reflexos.

Walter Sato é sócio da Cavenaghi, empresa responsável pela adaptação feita no carro. Ele diz que esse tipo de sistema é o mais procurado:
— A alavanca do tipo puxa-empurra é a mais popular. Primeiro por seu funcionamento bastante intuitivo e também pelo preço mais em conta do que o de outras adaptações — explica.

Um motorista acostumado a acelerar e frear no pé, no entanto, estranha a diferença. E haja sensibilidade para domar esses comandos. A tal alavanca (que tem conexão direta com os dois pedais) pede suavidade no uso.

Treinar os reflexos

Marinheiro de primeira viagem, quase bati ao estacionar o carro na garagem de casa. Por algum deslize, meu cérebro “inverteu os comandos” e puxei o manete em vez de empurrá-lo. O resultado foi só um susto, mas poderia ter resultado em um amassado caso eu não tivesse utilizado o pé para parar. Obviamente, tudo é uma questão de tempo. No entanto, em dois dias de uso intenso, não tive plena confiança em meus movimentos manuais...

Sim, admito que usei o pé algumas vezes. Apesar da adaptação, o carro continua sendo funcional também para pessoas sem deficiência. Não há qualquer restrição aos pedais. O mecanismo de alavanca é bem compacto. Não fosse o pomo no volante, seria quase impossível perceber a diferença visualmente. 

— Apesar de o número de adaptações em carros 0km ter crescido nos últimos anos, pela maior facilidade de comprovação para obter isenções, ainda temos muitos clientes que trazem carros usados para receber algum comando. Fazemos uma média de 120 adaptações mensais em todo o país — diz Walter.

No trânsito comum e com o fluxo normal, o processo de acelerar e frear é bem tranquilo. A direção com assistência elétrica não passa por qualquer alteração e aumenta a rigidez conforme a velocidade. Em relação ao modelo normal, o Versa PCD perde somente o ajuste de altura do volante. Isso acontece por conta da estrutura da alavanca puxa-empurra, que fica acoplada à coluna de direção.

É em ação que as diferenças são percebidas. O simples ato de ligar a seta pode se tornar complicado para quem precisa frear com uma mão e fazer um movimento rápido de desvio com a outra. Achar a melhor posição no banco também requer novos parâmetros: o encosto deve ficar mais ereto para facilitar o manejo da alavanca sob o volante. A altura fixa da direção, aliás, exige que os mais baixinhos elevem o assento, um ajuste que vem de série no Versa.

Comandos normais no carro poderiam ser aprimorados: usar a haste que controla seta e farol, por exemplo, exige que o motorista tire momentaneamente a mão do acelerador/freio. Acionamento do vidro elétrico com função “um toque” e destravamento automatico das portas ao se pôr o câmbio em park são pequenos detalhes que poderiam equipar o Versa adaptado (e mesmo as versões comuns) sem onerar muito o preço final.



Como ponto a favor, o grande ângulo de abertura de portas facilita a entrada de alguém com mobilidade reduzida. E há o bom desempenho e o conforto do conjunto motor 1.6 e câmbio CVT.

Puxa-empurra

Clodoaldo Silva é ex-nadador paralímpico e dono de treze medalhas (seis delas de ouro) em paralimpíadas. O atleta sofreu uma paralisia cerebral por falta de oxigênio durante o parto, o que afetou a mobilidade de suas pernas. Ele, que já teve quatro carros desde que tirou carteira, conta que sempre utilizou a adaptação tipo puxa-empurra.


— Aprendi a dirigir com esse sistema e é com ele que eu me sinto seguro. Já experimentei carros com outras adaptações, mas não senti segurança em nenhuma outra. As pessoas com deficiência tendem a usar sempre o mesmo dispositivo por causa disso — afirma ele, que já dirigiu do Rio a Natal. — Meu primeiro carro era manual e eu pensava que iria me atrapalhar nas trocas de marcha, mas com pouco tempo eu já estava habituado. A embreagem era automática e eu só precisa me concentrar na alavanca de câmbio.

Como qualquer componente mecânico, a adaptação precisa de revisões periódicas para manter seu bom funcionamento. A garantia é de um ano e a primeira revisão deve ser feita com 5.000km. A partir disso, a cada 10.000km todo o sistema deve ser verificado e reapertado. E todos os equipamentos podem ser retirados na hora da venda do carro. A reutilização no próximo automóvel também é possível desde que se troquem algumas peças, cobradas à parte.

O mercado de carros para pessoas com deficiência (PCD) teve um crescimento impressionante. Enquanto o crescimento no segmento de carros novos é de aproximadamente 4% em comparação ao ano passado, os números relativos ao público PCD apontam um aumento nas vendas de cerca de 25%, segundo estimativa da Associação Brasileira de Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva (Abridef).


A legislação brasileira determina que as pessoas com algum tipo de deficiência têm direito a comprar um automóvel novo a cada dois anos com isenções de impostos como IPI, IPVA, IOF e ICMS. Há limitações: o veículo deve ter motor de até 2,0 litros e o desconto do ICMS só é dado para modelos que custam até R$ 70 mil. Tanto que modelos como o Toyota Corolla e o Jeep Renegade ganharam versões de entrada com preços na medida para se enquadrarem no mercado de PCD: R$ 69.990.

Diferença de 25% no preço do carro

O Versa Unique 1.6 CVT custa, segundo a tabela da fábrica, R$ 68.840. Com as isenções de ICMS e IPI, seu preço cai para R$ 53.237. Daí é preciso acrescentar R$ 1.630 (do acelerador/freio manual) e R$ 470 (do pomo giratório forrado com couro), totalizando R$ 55.337. São R$ 13.500 reais de diferença (quase 25% do valor do veículo), sem contar com o desconto total do IPVA. Uma diferença que ajuda bastante caso o comprador tenha outros gastos gerados por sua deficiência.

A legislação também vale para passageiros (deficientes visuais ou um filho autista, por exemplo) e não só para quem vai dirigir. Nestes casos, contudo, só vale a isenção de IPI.

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