Conheça Patty Lorete...

   
   Meu nome é Patrícia Lorete, tenho 33 anos e uma patologia degenerativa chamada Atrofia Muscular Espinhal (AME). Vou contar como foi a primeira vez que me deparei nitidamente com o preconceito e mostrar como é possível superar as marcas deixadas por ele.
   Nunca andei, mas só fui para a cadeira de rodas de 8 para 9 anos, não queria aquele “troço” esquisito que fazia com quê todos olhassem para quem a utilizava. No entanto, após passar por uma longa terapia a resistência ao seu uso foi quebrada.
   Depois da aceitação da cadeira, minha mãe sentiu-se mais confiante em me matricular em uma escola e me levou no dia da matrícula. E foi aí que me deparei com algo bem mais doloroso do que os olhares que destacavam uma cadeirante. Eis que ele se apresentou: “Prazer, Patty, meu nome é PRECONCEITO! Nos encontraremos muito ainda”.
   Já me constrangia ser a única criança “diferente” e a mais velha da turma, 9 anos na alfabetização. E ainda ouço a diretora dizer: “Sua filha não tem condições de aprender e não temos estrutura permite recebe-la. A sala do térreo será nossa sala de vídeo”.  Caraca, doeu à beça!                           
   Voltamos para casa, “a pé”, 2 km de distância. Ao chegarmos minha mãe sentou na cama chorando muito, e disse: “Vou procurar outra escola.” Olhei-a de volta e falei: Quero estudar lá! E na mesma hora me fiz uma promessa... seria uma das melhores alunas da escola, só da classe não bastava, tinha que ser da escola! Peso grande, né? Sim. Não foi a deficiência, ou a cadeira, que me fizeram ser diferente, e sim o compromisso, o fato de assumir uma responsabilidade desta com tão pouca idade.       
   Chamamos a Secretaria de Educação e tiveram que me engolir rs... Fiz todo o ensino fundamental na mesma sala, embaixo. Minha turma ficou sem professora na 1ª e 3ª séries, obrigando a contratação de novas docentes, pois as que nos dariam aula alegavam ser a sala muito barulhenta, durante os 30 minutos do recreio das turmas de 5ª a 8ª. O que era um argumento ridículo diante da grandeza de exercer o magistério!
Cresci. Tornei-me uma adolescente, tímida, insegura, perfeccionista (o que causa muito sofrimento). 
 O sentimento de estar incomodando nunca me abandonou (mesmo aos 33 anos, às vezes, esta mesma sensação teima em reaparecer). O preconceito faz isto, marca uma pessoa para sempre. Ainda bem que com a maturidade aprendemos a lidar com ele.
    Meus pais também acabaram por reforçar tudo isso, me criaram para não namorar, diziam-me que ninguém me aceitaria “assim”. Passei quase a juventude toda escondendo o pé, a cicatriz da perna. Só usava trança e blusa de manga. Enfim, não me via como mulher, acreditei no que ouvi. Claro, afinal, aprendi deste os 9 anos a ser rejeitada e excluída. No entanto...
   Algo em 2007 começou a mudar. Comprei um computador, na verdade mais que isto! Comprei uma nova visão do mundo e de mim mesma. Conheci outras pessoas com deficiência, meninas com escoliose (sempre foi meu maior problema) que não a escondiam e ainda, namoravam, estudavam e TRANSAVAM.... Inacreditável! rs...
    Enfim, o mundo virtual não só me fez ver que era possível associar deficiência com vitória, superação, aceitação, como também com feminilidade. Fui impactada...
    E agora? Bom, não havia outro caminho, tive que desaprender tudo o que me ensinaram a meu respeito, destruir muralhas na mente e mandar embora o preconceito que habitava dentro de mim. Fácil? Hã! Dificílimo...
   É extremamente difícil acreditar que dá, depois de 15 anos parada, para terminar o ensino médio e tentar uma bolsa para o ensino superior (o preconceito que sofremos tira a percepção do nosso potencial) e muito doloroso aceitar um corpo assimétrico. Lembro que eu tirava fotos das minhas costas, pernas e pés para tentar a familiarização com minha imagem e quando olhava, chorava, chorava e chorava rs...
    Pois é, adivinha o que aconteceu... Superei meus medos, voltei à sala de aula e consegui, através do PROUNI, a bolsa de 100%, sem usar a cota para pessoas com deficiência e ano que vem me formo em Gestão de Recursos Humanos. E...rs... sim, já me acho um pouquinho sexy! rs...  
   Sabe, ainda hoje trilho “este caminho” da autoconfiança, autoaceitação, da valorização. A diferença é que a deficiência tornou-se secundária em minha vida. Antes existia a Patty deficiente e estudiosa, deficiente e mulher, deficiente e simpática. Hoje... sou a Patty estudiosa e pessoa com deficiência, mulher e pessoa com deficiência, simpática e pessoa com deficiência. Agora, minha essência vem antes da deficiência.
     Quero dizer a você, leitor (a)desta matéria, que assim como dei uma reviravolta na minha história confronto-o (a), a fazer o mesmo. Coragem, você pode, você consegue!

   Deixo um beijo grande a todos e meu agradecimento ao Cantinho dos Cadenirantes pelo privilégio de poder contar um pouquinho do que vivi.
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