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“Ser cuidador não é um lazer, é um trabalho que desgasta física e emocionalmente e que merece mais respeito do que julgamento”
Marcela Peres (28 anos), que cuida da mãe com Alzheimer, questiona o tratamento que muitas famílias e pessoas de fora dão ao cuidador
Aos 28 anos, Marcela Peres, de São José do Rio Preto (SP), é cuidadora em tempo integral de sua mãe, que acabou de completar 56 anos e há pouco tempo foi diagnosticada com Alzheimer.
A equipe do Portal Plena conheceu a Marcela em um dos grupos do Facebook que debatem a doença.
A história dessa jovem mulher é tão intensa e diferente que merece um texto à parte – essa matéria será publicada na próxima semana.
Por enquanto, vamos dividir com vocês um relato feito por ela sobre a difícil tarefa de ser cuidadora, ter a responsabilidade de coordenar o dinheiro e gastos do paciente e ainda ter que lidar com os julgamentos e opiniões de quem está de fora.
A Marcela tem uma página onde fala um pouco sobre suas experiências e perspectivas - clique aqui. Vejam o desabafo:
Desde que comecei a entrar em grupos nas redes sociais que tratam sobre
Alzheimer percebi que há um grande tabu em relação ao que os
familiares-cuidadores sentem. Tive a impressão de que a maioria não
conta com o apoio dos demais e até sofrem algum tipo de opressão.
No começo, pra quem está de fora, primeiro o discurso vai ser “sua vida
acabou, seu casamento vai acabar, não vai mais poder viajar, não vai
ter mais vida sexual, você não vai poder ter filhos, você é louco,
melhor abandonar”, como se já não bastasse ter que assimilar o
diagnóstico, ainda tem que ouvir essas coisas.
Aí você se torna cuidador - seja porque foi pressionado pela família,
por perdão, por ser a última opção, por não ter opção ou para tirar essa
responsabilidade de alguém que não está mais conseguindo. E depois que
você encara assume a função, o discurso alheio é que você vai enriquecer
com o dinheiro do doente, que é moleza cuidar, que faria melhor, que
você está usando a aposentadoria da pessoa em seu benefício e cinco
minutos de visita serão suficientes para concluir que você não faz o seu
“trabalho” direito.
Bom, vivemos em um país em que a aposentadoria pelo INSS não dá pra
custear um plano de saúde razoável, comprar fraldas, pagar
nutricionista, psicóloga, terapia ocupacional, fisioterapia, suplementos
alimentares, remédios complementares e enriquecer o familiar-cuidador.
Sem contar que as despesas aumentam e muito, o tempo para trabalhar
diminui ou tem que cessar. No meu caso, não há possibilidade de divisão
na tarefa de cuidar, pois todos os parentes estão longe, inexiste a
chance de que eu pare de trabalhar e já comecei a sentir os efeitos de
ter que reduzir minha jornada, mas foi uma decisão minha ficar com a
minha mãe.
Todos pensam que por eu trabalhar de casa, isso deixa minha vida bem
fácil, que é só uma questão de planejamento, mas, na realidade fica
difícil planejar o dia de quem tem Alzheimer e interromper algo para dar
comida, remédio, limpar vômito, ajudar a se vestir, tomar banho,
escovar os dentes, acalmar quando alguém liga e faz com que a pessoa
fique agitada, levar em médicos, trabalhar a autonomia dela, dar
atividades, monitorar se não está fazendo algo que coloque a sua
integridade em risco, conversar quando ela quer, responder a mesma
pergunta várias vezes e lidar com a agressividade. Ao mesmo tempo cuidar
da casa, da cachorra, do marido, dos clientes, não abandonar os amigos,
trabalhar, estudar e tudo isso sem deixar de se cuidar pra não ficar
doente, pois quem vai cuidar de quem?
No caso de quem tem a possibilidade de contratar um cuidador
profissional, a sobrecarga é quando se está em casa, pois hoje em dia é
difícil quem consiga conciliar com alegria e disposição tudo que a vida
exige ou ter dinheiro para pagar um cuidador para o dia, um para noite e
um para folgas. E isso gera um grande estresse no familiar-cuidador.
Além dele sentir o peso da responsabilidade moral e judicial por tomar
decisões pelo ente (escolher o que é melhor dentro da realidade
financeira não é fácil, pois só quem tem muito dinheiro pode pagar todos
os serviços que teoricamente auxiliam na melhora), ver seu familiar
perdendo sua memória e sua capacidade cognitiva e ter que lidar com todo
o resto sem reclamar? Por que o cuidador não tem o direito de se sentir
triste? Por que o cuidador não tem o direito de se cuidar também? Por
que o cuidador não tem o apoio necessário? E quem cuida do cuidador?
Eu acho muito triste o fato dos cuidadores terem que criar grupos no
Facebook para se apoiarem porque seus familiares e amigos não entendem
as dificuldades que passam e não fazem questão também. Ser cuidador não é
um lazer, é um trabalho que desgasta física e emocionalmente e que
merece muito respeito. Compreensão é fundamental, pois só quem é
familiar-cuidador sabe a dor e a delícia.
Eu sou abençoada por ter o apoio da minha família e dos meus amigos,
pois não conseguiria cuidar de tantas coisas ao mesmo tempo e gostaria
que todo familiar-cuidador pudesse ter o mesmo...
Fonte: Portal Plena
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