Emprego
Entrevistas
5 deficientes contam como lidam com a hostilidade do mercado de trabalho.
A Lei de Cotas foi criada em 1991 e prevê que toda empresa, com no
mínimo 100 funcionários, deve destinar de 2% a 5% dos postos de trabalho
a pessoas com algum tipo de deficiência. No entanto, isso não garante
que os profissionais terão o caminho livre para traçar uma carreira, há
muitos outros desafios a serem superados. A seguir, cinco portadores de
deficiências contam as suas histórias.
Djeison Possamai, 34, auxiliar de web
“Passei por entrevistas
em empresas multinacionais e bancos, porém, quando falava que
precisaria de ajuda para comer, era excluído do processo seletivo. Tive
paralisia cerebral por um problema no parto, que me deixou sem
oxigenação no cérebro. Isso afetou a minha coordenação motora e também
um pouco da fala, que ficou mais lenta. No dia a dia, conto com a ajuda
dos colegas para tomar café ou água. Cheguei a ser contratado por uma
rede de hospitais que me deixou três meses em casa, recebendo um salário
mínimo. Depois desse tempo, eles me chamaram só para me demitir. Ficou
claro que só precisavam de mim para cumprir a cota de pessoas com
deficiência. Estou há sete anos no meu atual emprego. Entrei pela Lei de
Cotas e, em menos de um ano, fui registrado como funcionário. Sou
auxiliar de web com grandes chances de me tornar desenvolvedor
'front-end' [responsável por projetar as interfaces de um website].
Atualmente, meu foco é implementar recursos para tornar os sites da
universidade para a qual trabalho acessíveis a portadores de todos os
tipos de deficiência. Quero me especializar em acessibilidade na web.
Tenho muitas dificuldades para enfrentar ainda, como a minha fala, que
precisa melhorar para que as pessoas me entendam quando eu quiser dar
palestras ou cursos, mas não pretendo desistir.”
Francisca Glaucia Carvalho Pontes Lima, 52, procuradora do município de Fortaleza
“Com
um ano, tive poliomielite nos quatro membros. Fiquei muito fragilizada,
mas ainda consegui andar, só não posso subir degraus ou correr. Quando
ingressei no mercado de trabalho, aos 21 anos, tinha de subir e descer
escadas com o auxílio de outros colegas, porque os dirigentes da empresa
não tiveram a sensibilidade de me colocar nos andares inferiores. Meu
irmão me levava de carro todos os dias, porque a cidade era totalmente
inacessível. Ficou mais fácil quando me tornei procuradora do município
de Fortaleza, 24 anos atrás. O prédio era acessível, com rampa e
elevadores. Como o meu cargo é de chefia, precisei de uma campainha para
chamar os funcionários de apoio. Também conto com uma cadeira mais
confortável, para passar o dia todo sentada. São desafios possíveis de
contornar. Difícil mesmo são os relacionamentos, porque muitas pessoas
ainda me tratam como coitadinha.”
Welton da Silva Reis, 24, gerente de banco
“Quando comecei a
procurar emprego, ouvi muitas negativas. O banco em que trabalho hoje
foi a primeira empresa a abrir as portas para mim. No início, precisei
superar a desconfiança de colegas e clientes, foi necessário provar meu
valor. A estrutura da empresa é acessível, mas depender da ajuda dos
colegas é inevitável, porque não consigo alcançar objetos altos, devido à
minha baixa estatura. O preconceito --felizmente-- veio de uma minoria e
sempre tento não dar atenção a isso. Atualmente, tenho um plano de
carreira dentro da empresa: entrei como caixa, virei gerente e pretendo
chegar ao cargo de diretor. Farei pós-graduação, MBA e curso de idiomas
para conseguir tudo isso. Tenho grandes ambições, quero ser referência
para a minha equipe e para o meu banco.”
Ramosile Lelpo da Silva, 42, contador
“Comecei a trabalhar
aos 14 anos como office-boy. Eram tempos difíceis e precisava ajudar em
casa. Tenho uma diferença de tamanho de uma perna para a outra e uso uma
compensação no pé, que não me deixa correr, mas consigo caminhar
normalmente. Só que no trabalho comecei a andar muito para entregar
envelopes em diferentes locais. Então, o médico me aconselhou a diminuir
o ritmo. Dentro do escritório, em algumas empresas, tinha de ficar
procurando serviço, porque todos achavam que estava ali apenas para
cumprir a cota. Já recusei um emprego em uma grande empresa de software
porque percebi, no processo seletivo, que ali eu não conseguiria me
desenvolver. Sou a favor da Lei de Cotas, desde que haja um plano de
carreira para quem entra. Porque quando você não se sente útil, acaba
ficando para baixo. Aos 36 anos, comprei parte de um escritório de
contabilidade e hoje faço o que gosto, da forma que quero. Na minha
empresa, todos são iguais: contrato quem merece, seja idoso, jovem ou
deficiente.”
Maria Cecília Beloto, 61, assistente social
“Contraí
poliomielite quando tinha quase dois anos, havia começado a andar um
ano antes, aos nove meses de idade. Demorei muito tempo para melhorar.
Naquela época, pouco se sabia sobre a doença, muito menos sobre o
tratamento. Atualmente, caminho com o auxílio de aparelhos ortopédicos e
muletas. No início da minha carreira, a falta de acessibilidade foi um
problema. A prefeitura em que trabalhava só tinha escadas na entrada,
não havia rampas. Quando chovia, precisava pedir para alguém me
acompanhar, porque tinha medo de escorregar. O Departamento de
Assistência Social também não tinha carros para fazer visitas, tinha de
caminhar para fazer os atendimentos. Com o tempo, consegui comprar um
triciclo elétrico e hoje tenho um carro adaptado. A falta de
acessibilidade ainda é um desafio para as empresas, somente nos meus
dois últimos locais de trabalho, foram feitas adaptações físicas. E olha
que já tenho 35 anos de carreira.”
Fonte: UOL
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