Entrevistas
Conheçam o Ricardo Albino...
Nasci prematuro de seis meses, tive paralesia Cerebral devido a falta de oxigenação no cérebro que afetou minha parte motora. Tenho visão subnormal, enxergo apenas do olho esquerdo, 50%, devido ao fato de ter queimado a retina do direito, quando na encubadora, não vedaram corretamente os meus olhos. Passei um mês internado ganhando peso e pedindo a Deus para me deixar ver a beleza da vida. Essa é a história oficial contada pelos médicos e pelos meus pais. A versão da minha própria existência deu origem ao apelido carinhoso de Rapidinho teimoso.
Costumo dizer que no sexto mês, ainda na barriga do anjo lindo que Deus me deu para chamar de mãe e me comunicando em segredo com ela e Deus pedi para chegar mais cedo para não perder Natal, Ano Novo e carnaval. Ele acabou me liberando, porém só pude ver o mundo em janeiro de 1978, ainda em tempo de arrumar a fantasia para o baile. Acabei ganhando, além do presente da vida, o direito de festejar meu aniversário três vezes. Quando nasci, no dia que deixei o hospital e em março se tivesse esperado o tempo certinho para chegar. Quanto a visão que não tenho, aprendi a enxergar com o coração e tento ver a vida pelo lado positivo e o Ser humano de dentro para fora.
Muita gente pergunta de onde vem meu bom humor e minha ‘’calma’’. Acredito que o fato de estar vivo e com saúde e ter o amor da família e de amigos, poucos, mas que sei que existem já é motivação demais para perder tempo com briga, sentir revolta ou qualquer sentimento ruim. Tristezas e raiva todos nós sentimos. Porém, apesar do preconceito, dos medos, angústias, da vergonha que as vezes pessoas da própria família sentem, todo dia a gente aprende a conhecer a nós mesmos e ensinar aos outros como lidar com a deficiência. Tento mostrar que deficiência não é doença e sim, limitação, algo que todo individuo possui de maneiras diferentes. Cabe a cada um respeitar as diferenças.
Foram muitos anos de fisioterapia, alcolizações para colocar os pés todo no chão e ter as pernas mais esticadas, aparelhos de ferro e talas, equoterapia, cirurgias e aulas de natação com direito a quase afogar por três oportunidades. Depois disso comecei a achar que sou um gato. Não por me achar bonito e sim por pensar que devo ter sete vidas como os felinos. Passei a acreditar que se eu tinha saído daquilo tudo é porque meu sonho de ser jornalista era possível.
Meu sonho nasceu aos seis anos de idade. Sou um apaixonado por música, esporte e escrever. Ainda no Instituto São Rafael, escola publica especial na qual fiz meu ciclo básico de alfabetização tive a certeza da carreira que queria seguir. Lá além de ler e escrever, convivi mais de perto com o esporte paralímpico, com o braile, o ensino musical e também com a luta pela inclusão e cidadania. Lutava pelo meu direito de estudar. No fim daquela conquista após ter passado por uma série de obstáculos impostos pela diretora na época, ela mesma, agradecida pela ajuda que minha mãe dava nas festas, disse que achava que eu deveria ficar mais tempo por não estar preparado para ir para outra escola. O que a Dona não imaginava é que temos alma de passarinho e aquela era minha hora de bater asas.
Fui para outra escola especial com número reduzido de alunos em sala. Namorei e fui rejeitado também. Escrevi meu primeiro livro e pedi meus pais para estudar em escola regular. Por medo de eu não me adaptar recusaram meu pedido e nesse período acontece a grande mudança . Como fiquei com a sequela do susto ou movimento involuntário e para caminhar era preciso ter uma pessoa sempre perto, já estudava a possibilidade da cadeira, somente concretizada após a direta e nem um pouco sutil do médico.'' Sua marcha é lenta e nunca vai passar disso. Você nunca vai passar disso''.
Embora soubesse que as palavras do doutor fossem a minha realidade, meu mundo caiu. Parei de estudar por um ano e decidi não voltar naquele hospital tão cedo. Em casa, minha familia viu que eu e a possante seriamos bons amigos e eu percebi que a canção Tente outra vez de Raul Seixas seria a trilha sonora que me guiaria dali em diante. A outra parte boa é que nesse período a escola que estava fechou e finalmente fui para o ensino regular me preparar pro vestibular. Era a hora de lutar por acesso nas ruas e no coração dos ditos '' normais''. Para espantar o medo nada melhor que um jogo de truco e um Anjo da Guarda fera em matemática para te ajudar com os estudos.
Na faculdade comecei a luta para mostrar aos professores e colegas que havia entrado ali pelo sistema de cotas e sim para transformar um sonho de menino em realidade.Professores,monitores,colegas e meus pais,além do meu gravador foram fundamentais para que em 2006 eu completasse aquela que para muitos era minha corrida maluca. Ali conheci a cronica e criei meu blog cronica&cultura.com onde publico meus texos que o cotidiado me dá.
Por ironia do destino, o hospital onde quase desisti de mim foi o lugar onde conheci grandes amigos, joguei bocha, dancei, escrevi programa de rádio, duas peças de teatro, joguei basquete, perdi o trauma da piscina e tentei me virar melhor sozinho dentro e fora de casa. Foi lá também que descobri o amor e ao mesmo, toda a dificuldade que o ser humano tem de entender que a cadeira é nosso meio de locomoção e que nós todos temos um coraçao que quer, pode e tem amor para dar. Fisicamente o que sinto mais falta como cadeirante é de não poder dirigir e ter que depender de alguem para me acompanhar nos lugares e nem sempre as pessoas estão disponiveis.
Hoje sigo cantando, dançando, escrevendo, contando e construindo boas e belas histórias por aí. As vezes choro baixo para ninguém ouvir. Entendi aos 39 anos de idade que a arte da vida é fazer da vida uma arte. Por isso vou sorrir e apesar de todos os copos vazios que encontro no caminho, vou valorizar quem dá valor para mim, aqueles que enxergam o bom da vida como um copo cheio e fazem seu melhor para brindar de copo cheio até o fim.
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