Tratamentos
“Há chance de eu voltar a andar”, conta ex-atleta Laís Souza
Faz pouco mais de um mês que a ex-atleta Laís Souza, 28 anos, voltou dos Estados Unidos com essa notícia na bagagem. No início de fevereiro, Laís esteve em uma consulta com o médico Barth Green, do Miami Project, e ouviu dele a informação de que existe a possibilidade de que ela ande novamente. Em 2014, ela ficou tetraplégica depois de um acidente enquanto treinava para as Olimpíadas de Inverno que, naquele ano, aconteceram em Sochi, na Rússia.
Green, o mesmo médico que cuidou do ator Christopher Reeve, acompanha os progressos que Laís vem experimentando a partir do tratamento pioneiro ao qual ela foi submetida usando células-tronco. A ex-atleta brasileira foi a primeira pessoa nos Estados Unidos a obter uma autorização da Food and Drug Administration – agência americana responsável pela liberação de drogas e tratamentos – para usar células-tronco em terapia de lesão medular.
Na entrevista a seguir, ela relata as vitórias e tristezas três anos depois.
Como você conseguiu realizar seu mais progresso mais recente?
Usei um extensor que deixa o joelho estendido. As pessoas o utilizam para ficar em pé depois que fazem cirurgia para o joelho. Já ficava de pé, mas com a tala pude fazer coisas a mais com o braço. Ele fica mais solto, o que me permite executar alguns movimentos.
No vídeo dá para ver que você faz um esforço enorme.
Nossa… Fiquei muito feliz. Por isso que postei. A minha pressão não caiu! Fiquei sem desmaiar! Por causa da lesão, minha pressão fica baixa na maior parte do tempo, e quando mudo de posição, quase sempre ela cai.
Que outros sinais de avanços você está conseguindo observar?
Sinto algumas coisas. Algumas áreas no meu braço trepidam, o dedo mexe um pouco, o tríceps pula bastante. Parece que está fibrilando, sabe? E sei que a força do meu abdome e das minhas costas também está muito melhor.
Quando essas sensações aparecem, o que passa pela sua cabeça?
Sentir alguma coisa é sensacional. Até mesmo uma dor que às vezes sinto quando fico tentando muitas vezes passar a mão no rosto ou na perna. Dói, mas não estou nem aí para a dor.
Os treinos deixaram você preparada para lidar com essa sensação?
A dor fez parte do meu aprendizado. Os treinos são acompanhados de muito sofrimento por causa das lesões, os calos na mão. Treinei muito com bolha se abrindo…Isso tudo me deixou com uma armadura que hoje me ajuda a enfrentar o que estou vivendo.
O que mais o esporte ensinou a você? Disciplina?
Ah… (risos). Não sou muito disciplinada, educadinha… Sou meio pancada. Às vezes invento de mudar, de querer fazer os exercícios de fisioterapia de outro jeito. Fico dizendo que podemos tentar isso, aquilo… E meu fisioterapeuta aqui (Robson Lopes) foi o maluco que deu ouvido às minhas invenções. Para um cadeirante não tem protocolo a ser seguido, não tem cartilha. Se estou com vontade de alongar, a gente alonga. Se não dá para treinar no dia, não treino. E a galera toda entra no meu clima.
No mês passado você esteve nos Estados Unidos para mais uma consulta de acompanhamento do tratamento que fez usando células-tronco (elas foram extraídas da medula óssea de Laís, multiplicadas em laboratório e reinfundidas. A esperança é que ajudem na reparação das lesões na medula espinhal da ex-atleta). Qual foi a impressão dos médicos?
O dr. Barth (Barth Green, do Miami Project, importante centro mundial de tratamento e pesquisa da paralisia) acredita que há chance de eu voltar a andar. Fiquei muito, muito feliz. Ele falou em inglês, eu fiquei lá toda concentrada para conferir se era aquilo mesmo que ele estava me dizendo. E era. Quando traduzi para minha mãe (Odete), o coração dela pulsou mais forte.
Como ele justificou essa previsão?
Ele disse que a lesão é pequena e que sou muito nova. Conforme o tempo for passando e eu continuar progredindo, vão surgir outros avanços que me ajudarão ainda mais.
Três anos depois do acidente, como foi ouvir isso do médico?
Gosto de viver com o pé no chão, mas quando um médico tão grande quanto ele fala isso, que eu tenho a possibilidade de voltar a andar com a evolução das coisas, não tem como não ter esperança. Eu nunca a perdi. E agora ele a reacendeu um pouco mais.
Sim. Muitos diziam que pelo grau do meu acidente era mesmo para eu não estar sentindo nada, me alimentando por meio de sonda. Mas meus médicos me incentivaram. Diziam ‘ela vai conseguir sair do respirador’ e quando achavam que não conseguiria, eu saí. E eu mesma me surpreendia com minhas pequenas vitórias. Tentava cantar ou eu me alimentar sozinha, por exemplo. Aos poucos fui provando que eu era capaz de fazer isso.
Sua luta inspira muita gente. Você tem consciência disso? Recebe muitos pedidos de ajuda?
Não tenho essa consciência assim tão forte. Mas recebo muitos pedidos de auxílio, de pessoas querendo saber o que eu faço, o nome do meu médico das células-tronco.
Isso cansa você?
Digito as respostas com a boca e às vezes fico exausta. Aí peço desculpas quando não consigo mais.
“Guerreira” é uma das palavras mais frequentes que se ouve a seu respeito. Você se considera uma guerreira?
Acho que sim. Todos os dias abro olho e penso: ‘hoje vou me levantar’. Deixo o chinelo na beira da cama porque sempre penso que no dia seguinte vou me levantar.
E como lida com a frustração de não ver isso acontecer até agora?
Não passo só por essa frustração. Tem a decepção de querer sair com as amigas e não conseguir porque o lugar não é acessível para cadeirante, por exemplo. Isso me deixa triste. Ou coisas mais simples, como deixar o cabelo do jeito que eu gosto e não poder fazer isso.
Nesses momentos, o que você faz para superar a tristeza?
Vejo minha família toda me apoiando, meus amigos. Tento ultrapassar a dor e realmente olhar as coisas positivas. Paro e penso: ‘calma, vamos pensar no que é possível fazer’. Aprendi que tenho que planejar minha vida a adaptando para o meu problema. Eu podia ficar na cama chorando, mas tive muita sorte porque desde que sofri o acidente não houve um dia que não tenha passado um anjo na minha vida para me trazer palavras de força.
Quais foram os momentos mais difíceis até agora?
O primeiro ano teve muitos momentos muito difíceis, de querer parar com tudo. No hospital, por exemplo, a hora de limpar a traqueostomia era bem complicada. Tinha mais dor… Enquanto essas coisas não estavam assentadas, tinha horas que eu não queria mais, achava que não ia dar mais para mim. Foi um período de adaptação difícil para mim, minha família e meus amigos. Enquanto isso não melhorou não fiquei tranquila.
E hoje?
Tenho muitas dores nas mãos e no pescoço. São fortes. E eu odeio tomar remédio, mas tenho que tomar.
E a sua relação com seu corpo?
Não gosto do meu corpo. Tem coisas que me incomodam.
O que, por exemplo?
Meu quadril está mais largo. Eu tinha o corpo muito estruturado e hoje isso me incomoda. Por vaidade mesmo.
Você já namorou depois do acidente?
Sou bissexual. Depois do acidente tive um período de aceitação física minha e simplesmente não quis me envolver com ninguém. E continuo fechada para essas coisas. Meu coração está vazio.
Qual seu principal aprendizado após o acidente?
Uma lição que tirei é que não é porque estou na cadeira de rodas que eu vou ficar parada. Também aprendi a pensar mais antes de agir. E a pensar mais no próximo também. Isso é essencial para ter uma convivência mais apaziguada.
Por que escolheu a Psicologia para estudar?
Pensei em uma profissão que eu pudesse exercer sem me mexer. Comecei agora e estou gostando. Ainda tem uma adaptação, não sei como será minha forma de estudo, se vou escrever usando um computador… Não sei também como farei as provas.
Pela sua experiência, como o Brasil trata o cadeirante?
As autoridades precisam conhecer melhor nossa realidade. Devem ficar mais atentas com calçadas e ruas, por exemplo. Na semana passada, descemos numa rua que tinha rampa de um lado e não no outro.
Como a cadeira ia subir do outro lado?
Temos que continuar na luta para abrir os olhos das autoridades e da sociedade como um todo.
Como você está conseguindo pagar seu tratamento?
Tenho uma pensão que recebo do governo e também dou palestras.
Quanto você recebe do governo?
O que ganho paga meus remédios. Mas com certeza não é suficiente para as outras despesas. Sustento minha família, que está aqui para me ajudar. Meu fim de mês acaba no vermelho. Se eu não for atrás de ganhar dinheiro, as coisas complicam.
Assim que as Olimpíadas acabaram, muitos atletas ficaram sem patrocínio e estão passando por situações difíceis agora. O que pode ser feito para mudar essa prática tão comum no Brasil?
Próximo de um grande evento é natural que todas as empresas queiram estar lá. Passou o calor, é difícil que elas continuem. Elas não pensam com o coração. Entendo esse pensamento, mas as companhias deveriam pensar um pouco mais com o coração e fazer contratos de patrocínio mais longos. Mas estamos muito longe de chegarmos no nível do que acontece no futebol.
A ginástica sofre bastante?
Sim. A maioria mora longe, pega ônibus, paga a comida do bolso para competir pelo clube.
O que você gostaria de dizer ao País que lhe admira tanto?
Continuem rezando, torcendo por mim. E que continuem fortes. Estou aqui sem movimento, passando por coisas muito difíceis. Mas todos têm problemas. E é possível enfrentá-los.
Fonte: ISTO É
Foto: Google
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