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Médica brasileira desenvolve método inédito para tratar espinha bífida
Tudo isso graças do método de correção pré-natal da mielomeningocele fetal desenvolvido pela doutora Denise Araujo Lapa Pedreira, ex-pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que agora coordena a linha de pesquisa no Hospital Albert Einstein e já realizou mais de 40 cirurgias.
Desafiando fronteiras
A mielomeningocele fetal, mais conhecida por espinha bífida ou apenas mielo, é resultado de um defeito congênito no fechamento das estruturas que protegem a coluna vertebral, deixando a medula exposta ao líquido amniótico da placenta, o que ocasiona comprometimentos motores e neurológicos ao bebê.
Quando o tubo neural, que dá origem à nossa coluna, não é fechado — o que deve ocorrer na sétima semana de gestação —, o liquor, um líquido produzido em nosso cérebro que circula pela medula, pode vazar e provocar hidrocefalia.
Além disso, a medula exposta ao líquido amniótico lesiona progressivamente os nervos da coluna, provocando perdas motoras nos membros inferiores do bebê e prejudicando sua habilidade de caminhar e de conter urina e fezes. Quanto mais alta for a lesão na coluna vertebral, maiores são as chances de a criança precisar andar com auxílio de muletas ou cadeira de rodas.
Cirurgia de correção inédita
Há uma década, a cirurgia de correção pré-natal da mielo tem sido feita no Brasil “a céu aberto”, isto é, abrindo a barriga e o útero da mãe e expondo o feto, o que aumenta consideravelmente os riscos de ruptura do útero.
Para evitar este e outros perigos, a doutora Denise desenvolveu um procedimento mais seguro tanto para a mãe quanto para o feto. Ela utiliza a abordagem alemã fetoscópica, também chamada de Safer, que é menos invasiva. O procedimento se assemelha a uma laparoscopia, mas, ao contrário desta, é necessário usar uma ultrassonografia para identificar a placenta, o feto e a lesão.
“Essa abordagem fetoscópica já estava sendo feita na Alemanha, mas a técnica de correção do defeito propriamente dita é nossa, brasileira e inédita. Foi desenvolvida 100% aqui no Brasil, com verba Fapesp. É um produto nacional”, destaca Denise.
Com a ultrassonografia, a doutora injeta um líquido na bolsa amniótica para fazer, com segurança, quatro furos, por punção, na barriga da mãe. Através desses furos, o líquido amniótico é retirado e substituído por gás carbônico. Depois, são introduzidos os instrumentos necessários para fazer a dissecção e a sutura do defeito e uma câmera para filmar o feto. As imagens aparecem em monitores, por onde os médicos acompanham o procedimento.
Com os instrumentos, o feto é reposicionado até que fique na posição correta para realizar a cirurgia. No final das costas do bebê, a marca da mielo se assemelha a uma bolha, que passa pela dissecção para que a medula seja colocada de volta ao local adequado. Uma película de celulose é posta em cima da operação e a pele do feto é suturada.
Diferentemente da técnica da doutora Denise, na Alemanha, a película é fabricada com outra matéria-prima e é suturada em volta da lesão. No entanto, os pontos deste procedimento podem, mais tarde, causar fibroses e cicatrizes no local, além de tornarem a cirurgia mais demorada.
Por fim, “os furos no útero não são fechados, porque o útero se contrai e os fecha naturalmente. Na barriga da mãe, são dados pontos de mononylon, como em uma cesárea”, explica a doutora.
A cirurgia de correção da mielo não consegue reparar os comprometimentos que já ocorreram durante a gestação, mas evita que mais perdas aconteçam e reduz as chances de o bebê não andar e desenvolver hidrocefalia.
Em comparação com a técnica “a céu aberto”, a abordagem fetoscópica proporciona o dobro de chances de o bebê conseguir andar e diminui pela metade as chances de desenvolver hidrocefalia. Em relação à técnica alemã, há 70% de melhora do quadro e, comparando com a americana, 40%.
O diagnóstico
Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a cada ano cerca de três mil bebês são diagnosticados com a mielomeningocele fetal.
Mães que já tiveram filhos com mielo ou anencefalia, ou possuem casos na família, têm mais riscos de o feto desenvolver a doença. Além das causas genéticas, a deficiência de ácido fólico, também conhecido como vitamina B9, é o principal fator da doença.
Para prevenir a malformação, o Conselho Federal de Medicina recomenda que mulheres que estiverem expostas à possibilidade de engravidar comecem a tomar doses complementares da vitamina.
A doença pode ser diagnosticada a partir da 16ª semana de gestação, por ultrassom, podendo dar seus primeiros sinais na 12ª semana. Entre a 24ª e a 26ª semana, a cirurgia pode ser realizada.
Infelizmente, poucos profissionais estão preparados para diagnosticar a mielo ou sabem dos avanços que têm sido feitos para diminuir as lesões do defeito congênito. Karem Simões, mãe de Enzo, obteve o diagnóstico na vigésima semana de gravidez, mas o médico não soube apresentar as possibilidades de tratamento do caso.
“O diagnóstico foi este: ‘ele não vai andar, não vai movimentar as pernas, vai ter problemas na cabeça, não vai controlar a urina nem as fezes”, relata Karem, que procurou por um tratamento por conta própria e encontrou a técnica cirúrgica da doutora Denise na internet.
“Poucos sabem que você tem a opção de melhorar as condições de vida do bebê.”
“No caso do Enzo, ele tinha uma lesão baixa, e isso é sempre sinal de bom diagnóstico”, analisa a doutora. “Hoje, as pediatras que o avaliam ficam muito contentes com a parte neurocirúrgica dele. Acham que a movimentação dos membros é perfeita e que há grandes chances dele andar. Além disso, ele tem chances muito pequenas de desenvolver hidrocefalia, embora a gente precise avaliar isso ainda nesse primeiro ano de vida”.
Desafiando fronteiras
A técnica de Denise vem chamando atenção de médicos do mundo todo. No dia 20 de janeiro, ela viajou com sua equipe até Israel para operar duas mães no Hospital Hadassah: uma israelense e outra palestina.
“A gente teve ali uma comunhão de religiões e de línguas que foi muito transcendental”, conta Denise. “Como o hospital palestino não tem a tecnologia necessária para fazer a cirurgia fetal, todos os bebês que o médico palestino identifica que tenha necessidade de cirurgia, ele encaminha para o colega israelense.”
As equipes médicas brasileira, israelense e palestina assistiram à técnica da doutora Denise juntas na sala de cirurgia. “Eles falam que a guerra só existe entre os políticos, entre os médicos não existe guerra e eles vão fazer de tudo para se ajudar.” A paciente palestina foi operada gratuitamente, algo que já vem acontecendo há alguns anos.
Israel é o primeiro país a adotar a técnica brasileira para correção da mielo.
Via:jornal.usp.br
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