Uma carta para você...


    
Escrito por: Carol Constantino 

   A tv estava ligada, a voz da apresentadora chamou a atenção de Bruna.
"Você sabia, que a maneira que nos enxergamos influi literalmente nas relações com os outros? Essa afirmação foi feita através de uma pesquisa realizada pela psicóloga Priscila Figueiredo..." 
-Duvido que alguém me enxergue. Mal olham pra mim... 
-Falou comigo, Bruna? 
-Não, mãe. Só tô lendo meu livro. 
     Disse a menina sentada à mesa com um livro aberto, tentando se concentrar na história de amor que ele contava. 
     Bruna não demonstrava, mas ela era muito romântica. Não falava sobre namorados por que ela jamais imaginou que algum dia poderia conhecer alguém que namorasse com uma cadeirante, como ela. Ela gostava dos garotos em segredo, tão segredo, que nem pra ela mesmo admitia. 
     Na escola ela não tinha muito contato com os garotos, conversava mais com sua amiga Fabi que sempre a ajudava a guardar seus materiais. 
     Às vezes Fabi contava sobre algumas paqueras suas, e Bruna que não tinha nenhuma, escutava tudinho com muita empolgação como se fosse ela estivesse no lugar da sua amiga vivendo tudo aquilo. 
     Logo depois que Fabi terminava de contar, Bruna voltava para a sua realidade e pensava... "Nunca saberei o que é isso. Nunca ninguém vai olhar para mim...". 
     No intervalo, Bruna estacionava sua cadeira de rodas perto da porta de sua sala e jogava no celular para parecer ocupada. Porém, seu pensamento e seus olhos sempre estavam a procura de Beto, um garoto que também costumava ficar sozinho no intervalo, sem conversar com ninguém. 
     Algumas vezes os dois se olhavam na mesma hora. Tomada pela vergonha, Bruna não esperava 1 segundo para baixar sua cabeça e fingir olhar para o celular.
    Anos se passaram. Beto se formou primeiro e saiu da escola, depois foi Bruna que terminou o ensino fundamental e também saiu de lá. 
     Nunca mais o viu, nunca mais soube noticias dele. Até que finalmente ele adormeceu em suas lembranças.
     Nove anos se passaram depois da formatura e Bruna nem se deu conta. Só notou isso depois de ser adicionada em um grupo da escola no whatsapp. 
     No primeiro momento reconheceu sua antiga amiga Fabi, depois o Renan -que sentava na frente dela- e por último Carina -a nerd da turma, com quem ela adorava fazer os trabalhos em grupo-. Os outros, nem lembrava de ter conhecido. 
     Animada por estar "revendo virtualmente" seus amigos, ela demorou para se dar conta que havia sido chamada no privado. Desviou os dedos para visualizar a mensagem e, não reconhecendo o número, aumentou a foto para ver quem era... Era o Beto!
     Por incrível que pareça ela não ficou nervosa, mas sim, surpresa. A conversa fluiu por horas e de forma natural, como se fossem íntimos. 
     Ela contou que estava trabalhando em um banco e quase concluindo a faculdade de Direito. Ele contou que havia se mudado para outro estado, para trabalhar em uma transportadora de um tio dele. 
     Quando o assunto "relacionamento" surgiu, algo estranho aconteceu.
     Bruna perguntou se ele era casado e ele disse que não, tinha saído recentemente de um relacionamento com uma prima de uma colega dela (ela não conhecia, mas fingiu saber de quem se tratava). Beto perguntou se ela estava namorando e ela disse que também estava solteira. 
     Depois de 9 segundos contados por Bruna, Beto a escreveu:
-Sabia que eu era apaixonado por você na época da escola?
-Kkkkkk... que bonitinho! Mas duvido que é verdade.
-Claro que é! Até escrevi uma carta para você na 8ª série. Acho que tenho guardada até hoje.
-Você tem uma caixa de recordações?
-Sim, tenho. Por que?
-Por nada... é fofo =)
-Está duvidando, né? Posso te mostrar a carta no final da semana que vem, quando eu for visitar meus pais.
-Ahh... Se você vier pra cá, podemos combinar de nos encontrar. Vai ser legal!

    Nessas alturas, aquela admiração que Bruna sentia por Beto voltou um pouquinho. Mas, ela logo fez sua consciência acordar para realidade, espantando qualquer falsa expectativa.
     A semana voou e ela nem se deu conta de que já era sexta-feira, só lembrou do encontro com Beto por ele ter mandado uma mensagem confirmando o compromisso e informando a hora e local para se encontrarem.
     Chegando na sorveteria, Bruna estacionou sua cadeira de rodas de modo que ela ficasse com os braços apoiados sobre a mesa. Depois de alguns minutos esperando, ela viu Beto se aproximando até chegar e dar um abraço nela.
    Foi estranho, mas ao mesmo tempo foi gostoso. O perfume dele e a sua feição de adulto, fez com que Bruna perdesse a pouca confiança que ela havia conquistado nesses anos.
     O coração acelerou e suas mãos gelaram, mas com o desenvolver da conversa foi ficando confortável novamente.
     O encontro foi mais agradável do que ela imaginava, riram lembrando das lembranças da escola, tentando lembrar de todos colegas que conseguiam.
     No final da tarde, Beto disse que precisava ir embora e que antes de sair tinha que entregar uma coisa pra ela. Foi ai que ele largou um envelope em cima da mesa.
Bruna pegou o envelope leu em voz alta:
-"Para: Bruna de rodinhas!"
    Os dois riram pelo apelido que todos a chamavam no colégio. Ela nunca se importou, mas hoje ela achou aquilo engraçado.
   Ainda em voz alta, ela continuou lendo:
-"Oi! Meu nome é Beto e eu estudo na turma 82.... Eu tenho vergonha de falar, só quero saber se tu me dá um... beijo na hora da saída?"
    As últimas palavras foram lidas em voz um pouco mais baixa.
   Bruna não se deu conta, mas suas bochechas ficaram vermelhas e pra disfarçar sua vergonha, ela sorriu para Beto e ele sorriu de volta.
-Que amor, Beto. Pena você não ter me entregue naquela época, teria me feito muito bem.
-Mas ainda está em tempo...
-É, agora eu recebi! Obrigada...
-Não é isso que estou falando. Quero dizer que ainda está em tempo de acontecer...
    Bruna piscou três vezes até conseguir entender o que ele estava dizendo. Sem respirar, ela continuou olhando.
-Bruna. Você não quer me dar esse beijo agora?
-Quero.
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