As lições dos atletas que lutam por uma vaga nos Jogos Paralímpicos de 2016


  Entre os desafios enfrentados por Susana Schnarndorf ao longo da vida, as treze participações no Ironman e os cinco títulos brasileiros de triatlo conquistados na década de 90 já passam despercebidos. Nos últimos dez anos, a gaúcha precisou superar obstáculos ainda mais complexos. Diagnosticada com atrofia múltipla de sistemas (MSA) em 2005, aos 37 anos, a superatleta viu seu mundo virar de ponta-cabeça em questão de dias. Rapidamente, a doença degenerativa comprometeu o controle motor, além de diminuir a capacidade do coração e dos pulmões.
 Naquela época, os médicos chegaram a afirmar que ela teria apenas mais dois anos de vida. “Eu nadava, pedalava e corria o dia inteiro e, de repente, não conseguia fazer movimentos básicos”, recorda. Acostumada a confrontar e ultrapassar os próprios limites, Susana não se deu por vencida com o diagnóstico e voltou aos treinos, mesmo que em condições bem diferentes. “Foi quando descobri o esporte paralímpico. Eu me agarrei àquilo com tudo o que podia, como se fosse a minha luz no fim do túnel.” Hoje, ela acumula vários recordes na natação e um título mundial, conquistado na prova dos 100 metros em nado de peito em 2013. 
Após um ano de difíceis resultados devido à evolução da doen­ça, que vem paralisando seus movimentos, Susana planeja encarar os Jogos Olímpicos do Rio como seu grande momento como atleta. “Será a rea­lização de um sonho. Agora só falta uma medalha para fechar o meu ciclo e eu me dar por satisfeita”, diz.


Não há dúvida de que o esporte tem o poder de transformar a vida das pessoas. Entre os paralímpicos, porém, essa máxima se confirma de forma ainda mais profunda. Muitas vezes, ele é responsável por fazer com que os atletas ganhem motivação para superar uma tragédia pessoal e para viver. 
Os integrantes da delegação brasileira que lutam para brilhar no Rio em 2016 comprovam, a cada dia e nas mais variadas modalidades, que têm resiliência de sobra para fazer o que parece impossível e superar as próprias limitações. Até mesmo aqueles que no passado tinham pouca familiaridade com o esporte que viriam a praticar. “Na minha primeira competição, há pouco mais de um ano, eu não conhecia nada de atletismo, nem sapatilhas eu tinha para correr. O treinador me emprestou um par, mas acabei nem usando, porque fiquei com medo de tropeçar e cair”, recorda Petrúcio Ferreira, que, aos 2 anos, ao acompanhar o pai durante o trabalho na roça, teve parte do braço esquerdo decepada em uma máquina de moer cana-de-­açúcar. 
Com apenas 18 anos, ele tem resultados surpreendentes. Descoberto durante uma disputa escolar em 2013, já é recordista mundial dos 200 metros rasos na classe T47, cujos atletas têm um dos braços amputado, acima ou abaixo do cotovelo.


Enquanto a origem da Olimpíada remete à Grécia antiga e os Jogos da era moderna são realizados desde 1896, o movimento paralímpico só começou a se formar a partir de 1948, quando Ludwig Guttman organizou na Inglaterra uma competição esportiva que envolvia veteranos da II Guerra Mundial com lesão na medula espinhal. 
Depois desse pontapé inicial, os Jogos no estilo olímpico para atletas deficientes aconteceram pela primeira vez em Roma, em 1960, com 400 competidores. Ainda que sem a mesma visibilidade das provas esportivas tradicionais, o movimento paralímpico experimentou um impressionante crescimento nos últimos anos, e, para a Rio 2016, é prevista a participação de 4 350 atletas, de 178 países. Com a maior delegação brasileira da história, o que esses atletas mais têm a mostrar, nas pistas, nas piscinas ou nas quadras, são exemplos de como vencer as adversidades. Ganhar ou não uma medalha é consequência de anos de treino, dedicação e obstáculos muito mais difíceis de superar. O nadador catarinense Talisson Glock é prova disso. 
Depois de ser atropelado por um trem, aos 9 anos, ficou 23 dias internado e teve de amputar o braço e a perna esquerdos. “Não me lembro de nada. O que sei sobre o acidente é o que me contam”, diz. Aos 20 anos, no entanto, ele se tornou uma espécie de garoto-propaganda do Comitê Paralímpico Brasileiro. Bonito, com o corpo coberto por tatuagens e, de quebra, vencedor, só nos últimos Jogos Pan-­Americanos, em Toronto, ele faturou seis medalhas, sendo duas de ouro, nos 200 metros medley e nos 100 metros costas.


Outro destaque no Canadá, a corredora Verônica Hipólito levava a vida de uma criança comum até os 12 anos, quando foi diagnosticada com um tumor no cérebro. Na época, frequentava aulas de judô na cidade de Santo André, na região metropolitana de São Paulo. 
Durante o tratamento da doença, teve de abandonar a modalidade. Já recuperada, optou pelo atletismo, pois sempre foi apaixonada por esportes. Aos 14 anos, porém, sofreu outro baque, quando um AVC precoce quase desintegrou seu sonho de ser corredora, ao deixar sequelas no braço e na perna direitos. Ainda assim, ela não desistiu. 
Ao ser apresentada ao esporte paralímpico, tornou-se uma das maiores apostas do comitê, com grandes chances de medalhas para o Brasil na Rio 2016. A jovem, que é recordista mundial dos 200 metros rasos na classe T38, faturou o ouro nos 100, 200 e 400 metros rasos, além da prata no salto em distância, nos últimos Pan-Americanos. “O AVC acabou revelando meu potencial para competir profissionalmente. 
Apesar da paralisia na parte direita do meu corpo, consegui entrar para o esporte paralímpico e ajudar toda a minha família”, afirma a atleta, que é federada pelo Sesi São Paulo e conta com o patrocínio de grandes empresas, como Nike, Caixa e Petrobras, além de bolsas dos governos federal e do Estado de São Paulo.

Petrúcio, Talisson e Verônica fazem parte da chamada geração pós-Londres, que reúne os jovens atletas que se preparam para brigar por sua primeira medalha em Jogos Paralímpicos. Durante o evento, eles se juntarão a alguns heróis já consagrados — como o nadador Daniel Dias, detentor de quinze medalhas nas Paralimpíadas, o recorde da delegação brasileira. Mesmo entre os já experientes, no entanto, há muitos nomes que a torcida brasileira merece conhecer. 
É o caso de André Brasil e Jeferson Gonçalves, por exemplo. Companheiro de Daniel na seleção de natação, o primeiro acumula vinte medalhas em campeonatos mundiais e dez em Jogos Paralímpicos. “Até hoje não consigo expressar a sensação de subir ao pódio. Parece que a ficha nunca cai”, diz o carioca. Já Jefinho, como Jeferson é conhecido, é uma das provas de que, se os astros do futebol convencional não estão em sua melhor fase, no esporte paralímpico o Brasil continua sendo o país do futebol. Comparado a Neymar e Pelé, o atleta baiano nasceu com glaucoma e perdeu completamente a visão aos 7 anos. 
Desde 2006, brilha como um dos astros da seleção de futebol de cinco, tendo participado da conquista de dois campeonatos mundiais e de duas Paralimpíadas. “Aprendi que uma pessoa cega também é capaz de praticar um esporte de alto rendimento”, diz ele.


O desempenho brasileiro nos últimos anos é um estímulo e tanto para que o público se interesse em assistir às competições e torcer pelos paralímpicos — nossas chances de pódio são muito maiores entre os atletas deficientes. Depois de o Brasil ficar em primeiro lugar no ranking dos Jogos Pan-Americanos neste ano, com 257 medalhas — 109 de ouro, 74 de prata e outras 74 de bronze —, a meta para 2016 é terminar a Paralimpíada do Rio no quinto lugar geral.
 O salto na performance dos atletas brasileiros vem acompanhado da evolução no suporte técnico oferecido a eles. “Com a sanção, em 2001, da Lei Agnelo Piva, que repassa recursos das loterias para os comitês Olímpico e Paralímpico, foi possível planejarmos a curto, médio e longo prazos, e temos feito uma gestão eficiente desses recursos. Sabemos aonde queremos chegar e como chegar”, explica Andrew Parsons, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). 
O planejamento é traçado em parceria com confederações e clubes e, até o fim do ano, um centro de treinamento será inaugurado em São Paulo, com capacidade para abrigar catorze das 23 modalidades paralímpicas, além de contar com alojamentos, refeitórios e laboratórios para avaliação física, fisiológica, psicológica e nutricional. “Não vamos para a Rio 2016 simplesmente para ganhar experiência. Queremos incomodar, brigar e disputar medalhas”, garante Parsons. Será uma oportunidade única, não só para torcer, como para se emocionar com as histórias desses verdadeiros heróis do esporte.


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