Pesquisas com células-tronco na Argentina e Polônia, geram bons resultados!


Cada nova descoberta com célulastronco promete levar a humanidade mais longe, incluindo quem achou que nunca mais ia sair do lugar com as próprias pernas. O mais recente tratamento desenvolvido na área está colocando de pé paraplégicos e tetraplégicos – pacientes com paralisia da cintura para baixo e pessoas imobilizadas do pescoço para baixo, respectivamente. Para surpresa dos brasileiros, a pesquisa que alcançou tal façanha foi desenvolvida aqui do nosso lado, no Centro de Pesquisa em Engenharia de Tecidos e Tratamentos Celulares da Universidade Maimónides, em Buenos Aires, Argentina.

Em outubro passado, um estudo da Universidade de Wróclaw, na Polônia, chegou a resultados parecidos com o paciente búlgaro Darek Fidyka, também utilizando a capacidade de as células-tronco se transformarem em qualquer tecido. A diferença é que o polonês serviu como estudo piloto. Já o ensaio clínico liderado pelo médico e pesquisador Gustavo Moviglia, diretor do centro argentino, está alguns passos à frente. O estudo inicial, com dois voluntários, aconteceu em 2001, e a segunda etapa acabou de ser concluída: com uma metodologia aperfeiçoada, oito pacientes foram tratados durante dois anos, com bons resultados.

Tanto no caso europeu quanto no sul-americano, os pesquisadores enfrentaram casos de lesão completa do dramático trauma raquimedular (TRM), ou seja, pacientes sem nenhuma conexão funcional entre a parte superior da coluna, não lesionada, e a parte inferior, lesionada. Conhecidos como diagnósticos Frankel A, esses casos representam o quadro mais grave de todos da doença, implicando perda de movimentos e de sensibilidade nos membros abaixo da ruptura ocorrida na medula. Darek Fidyka sofria de paralisia completa da cintura para baixo. Já três dos pacientes de Moviglia estavam paralisados do pescoço para baixo, havia mais de três anos.

Pela literatura médica, depois de um ano da ruptura, os pacientes Frankel A têm menos de 1% de probabilidade de recuperar alguma função abaixo da lesão e, depois de dois anos, nenhuma possibilidade. Mas as pesquisas com células-tronco estão colocando a medicina de pernas pra cima. Ambos os ensaios, o argentino e o polonês, conseguiram devolver algumas capacidades motoras, sensibilidade em determinadas partes do corpo, habilidade para ficar em pé (com apoio de barras ou andadores), controle urinário e de algumas funções sexuais (veja os boxes no pé desta reportagem).

As principais vantagens do nosso tratamento são não envolver doadores e células manipuladas geneticamente”, explica Moviglia. “Como são do próprio paciente, as células estão muito menos propensas a gerar qualquer problema”, destaca. Em tratamentos envolvendo engenharia genética é complicado coletar células e bastante comum surgirem problemas secundários e lesões não desejadas – ainda que sejam da mesma pessoa – quando elas são implantadas no corpo.

Há outras diferenças fundamentais entre os dois estudos. O polonês trabalhou com células do bulbo olfativo do paciente, cultivadas em laboratório para se replicarem. Essas células continham neurônios e tecidos que suportam e alimentam células nervosas. Já a pesquisa argentina retirou células de gordura do abdômen e combinou com linfócitos, também do próprio paciente. Os linfócitos (um dos tipos de glóbulo branco presentes no sangue) abrem a barreira de massa encefálica que funciona como uma proteção para o organismo impedir o sistema nervoso de ser intoxicado por substâncias daninhas, mas também impede a entrada de células “boas”.

Além de abrir essa “porta”, os glóbulos brancos permitem que atrás deles entrem, por via sanguínea, as células- tronco. “O grupo de linfócitos ativados com proteínas derivadas do sistema nervoso cria um meio ambiente favorável para as células-tronco se desenvolverem e as influencia a amadurecer como células do tecido nervoso. O mais interessante é que as células-tronco, por sua vez, emitem quase que ‘projéteis teleguiados’ à área que deve ser reparada”, explica Moviglia.



Ciência x milagre

Em nenhuma das pesquisas, entretanto, apenas os implantes de células-tronco seriam capazes, por si só, de colocar um paciente de lesão na medula de pé. Portanto, não se trata de uma solução “levanta-te e anda”, como o caso descrito na Bíblia – pelo menos, ainda. Para os cientistas, a cura feita por Jesus só pode ser definida mesmo como milagre.

Os dois estudos, acima e abaixo do equador, contam com reabilitação intensiva. “É muito parecido com a reabilitação aplicada em crianças com paralisia cerebral, em que o corpo diz ao cérebro como ele tem que se organizar”, diz Moviglia. “Adaptamos essa metodologia aos adultos”, explica. O médico argentino acrescenta que usa muito trabalho lúdico voltado aos interesses de cada paciente, por meio de terapeutas físicos, funcionais e psicológicos. De tal forma, por exemplo, que aquele que tinha aprendido a pintar com a boca agora possa pintar com as mãos.

As atividades tomam de 4 a 5 horas por dia, nas instalações da Universidade Maimónides, que financia o ensaio clínico. “O estudo não envolve o registro de patente e por isso torna-se difícil captar recursos. Se fosse de um remédio, muitos iam querer financiá-lo”, diagnostica Moviglia. “Não podemos tratar todo mundo, mas é importante para nós que todos possam se beneficiar do tratamento.

O que mais chama a atenção das pessoas é a questão funcional”, diz Movilgia. “Nós nos alegramos pela parte funcional, mas também por ter reconectado as ligações da coluna. Há provas evidentes de que voltaram a aparecer algumas células neurais onde antes elas não existiam.” Segundo o pesquisador isso abre um caminho de trabalho muito maior, com mais possibilidades terapêuticas do que as que obtidas até agora.

Colaboração: Bruna Campos
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