Entrevistas
Conheça Meire Ellem...
A
Blogueira e Colaboradora Thaíse Maki me pediu para contar minha história à vocês,
leitores. Aceitei, pois se gosto de ler histórias de pessoas que tem algo em
comum comigo, pode ser a deficiência, o gosto pela leitura, a profissão
escolhida, ou qualquer outra coisa; nada mais justo que eu colabore, escrevendo
mais uma história para ser lida.
É
difícil resumir 33 anos em algumas linhas, mas vou tentar. Meu nome é Meire
Ellem, tenho 33 anos, sou a primogênita de um casal formado por uma empregada
doméstica e um pintor de parede, tenho uma irmã de 19 anos.
Essa história começa
com uma lembrança que tenho de quando eu era quase um bebê. Eu sentada no banco
do ônibus, vejo outra criança andando na calçada, e digo “mamãe, neném tá
dandando, eu também vou dandar né?” E a minha mãe, que estava me levando para a
fisioterapia em outra cidade, e na bolsa o aparelho ortopédico, responde cheia
de fé e esperança: “Vai sim, filha!”.
E
os anos foram passando da seguinte forma: com tristezas, alegrias, lutas,
desânimo, força, felicidade, vitórias, fé e muito amor. De ônibus, de táxi, de
ambulância, de fusquinha, de Corcel, de Monza, de transporte adaptado da
prefeitura. Para a fisioterapia, para a escola, para a faculdade, para provas
de concurso, para ministrar palestras, para o estágio, para o trabalho. Acompanhada
pela mãe, irmã, pai ou amigos, sempre rodeada de muita proteção e cuidado.
Vou
fazer uma breve retrospectiva dos momentos mais marcantes da minha vida.
Ansiosa
para começar a frequentar a escola, muitas vezes voltei para casa frustrada,
minha matrícula era recusada apenas por ser uma criança com deficiência, até
que meu pai foi à Secretaria da Educação e tudo foi resolvido.
Comecei
a adolescência realizando duas cirurgias, quando tinha 11 anos, sobrevivi por
milagre de Deus. Foram 70 dias internada e mais seis meses engessada do pescoço
até a cintura. Esse foi o momento mais sofrido da minha vida, mas vencemos,
estou aqui.
Beijei
pela primeira vez quando tinha 18 anos, aconteceu no estacionamento de um
shopping enquanto meu pai buscava o carro para irmos embora, após um encontro
de primas com alguns amigos. Tenho muito diálogo com meus pais e eles sempre me
proporcionaram momentos em que eu pudesse conhecer pessoas. Antes de ter
computador e internet eu utilizava muito os bate papos pelo telefone e assim
conheci alguns rapazes, tive alguns encontros, e aos 25 anos e o primeiro
namorado. Ele era alguns anos mais novo do que eu, mas foi o primeiro namorado
perfeito, foram 11 meses de muitos momentos inesquecíveis, cartas, fotos,
lembranças que ainda guardo com carinho.
Uma
das coisas que mais sinto prazer em fazer é estudar, e infelizmente fiquei dos
14 aos 22 anos sem ir à escola. No meu bairro não tinha escolar, meu pai não tinha
carro, a escola era longe, eu ficava com pneumonia com frequência, por todos
esses motivos parei de estudar por oito anos. Fiquei sem amigos, sem sequer ter
alguém para conversar, eu chorava.
Após
iniciar tratamento no Hospital Sarah, e ter uma conversa com a pedagoga
Vanessa, eu decidi voltar a estudar e, desde então, não parei mais. Nessa época
meu pai tinha um Corcel e me leva todos os dias para a escola, mas me colar e
tirar do carro e ter que fazer o mesmo com minha cadeira, estava ficando difícil
para ele, pois estava doente, foi então que surgiu o Programa Sem Limite da
prefeitura de Contagem, cidade onde moro, me inscrevi no Programa e passei a
utilizar um van adaptada com elevador, para ir estudar, e não parei mais. Fiz
uma prova do governo e ganhei uma bolsa integral para fazer o curso Técnico em
Gestão Empresarial no SENAC, estudava pela manhã e a noite. Me formei no ensino
médio e no curso. Logo depois iniciei o pré-vestibular, fiz o ENEM, me inscrevi
no PROUNI, consegui bolsa integral para o curso de Direito da Newton Paiva.
Durante
o curso técnico vivi grandes aventuras com minhas amigas, saiamos mais cedo da
escola e íamos para o shopping, para a feira, dar uma volta no parque. Foi um
tempo em que ganhei liberdade e autonomia em relação a estar sempre com minha
mãe. Mas também foi um tempo em que notei que o mercado de trabalho não estava
preparado para receber pessoas com deficiência. Quantas vezes entrevistas foram
cancelas e oportunidades retiradas, porque as empresas não possuíam acesso para
cadeira de rodas.
Ganhar
o curso de Direito e o transporte, foi milagre de Deus, mas milagre maior foi
ver a mim e toda minha família batizada, e meu pai consagrado pastor.
Estive
cinco anos na universidade e durante esse tempo desenvolvi pesquisas e projetos
que trouxe benefícios para a sociedade, especialmente às pessoas com
deficiência. Palestrei em diversos lugares, inclusive no I Fórum de Defesa dos
Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/MG, e no curso Gestão por
Competência, ministrado pelo TRE/MG para todos os chefes de Cartórios
Eleitorais de Minas Gerais. Ganhei prêmio e menções honrosas pelo trabalho que
desenvolvi.
No
primeiro semestre de 2014, fiz estágio na Justiça Federal, na Subseção
Judiciária de Contagem, foi a primeira vez que trabalhei e não poderia ter tido
melhor chefe e melhores colegas de trabalho, foi tudo perfeito. Aprendi muito,
me diverti muito e conquistei amizades muito especiais.
No
ultimo dia 6 de setembro, me formei no curso de Direito, foi um momento único,
ver aquelas pessoas me aplaudindo de pé, enquanto eu ia pegar meu diploma, e
minha família e amigos emocionados.
Ter
passado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, ser advogada. Ter um emprego
garantido por ter passado no concurso para trabalhar exercendo minha profissão
na Secretaria de Estado da Saúde, me faz sentir realizada.
Enfim,
mesmo tendo nascido com atrofia muscular espinhal forma intermediária e necessitando
fazer uso de cadeira de rodas motorizada para me locomover, esse detalhe não me
impediu de viver todos esses momentos felizes e não vai me impedir de ir além.
A
mensagem que quero deixar para quem leu até o fim é: Não existe impossível para
aquele que crê e que tem determinação para lutar pelo que quer.
Agradeço
ao blog Cantinho dos Cadeirantes a oportunidade de contar um pouco da minha
história.
Meire
Ellem D. C. Galvão
Advogada
e pessoa com deficiência
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