Acessibilidade
Aplicativo traça rota mais prática para deficientes e permite avaliar adaptações em locais de lazer
A consultora em acessibilidade Luciana Trindade criou o costume de compartilhar pequenas avaliações nas redes sociais cada vez que sai com seu marido, André Ancelmo. Ela é cadeirante, e ele é cego, então sempre buscam conhecer centros culturais e restaurantes que sejam completamente acessíveis. Um restaurante que disponibilize o cardápio em braile, um museu equipado com rampas, uma casa noturna com banheiro universal; toda vez que encontra um lugar que valha a pena visitar e que tenha investimento em acessibilidade, ela compartilha a dica.
Logo tornou-se uma espécie de referência para amigos que buscam informações para ter a certeza de que não cairão em alguma roubada durante um passeio. Suas publicações chamaram a atenção do empreendedor Valmir Souza, desenvolvedor do Biomob, uma espécie de “Foursquare da acessibilidade”. O aplicativo conta com 3 mil usuários que dão notas para as intervenções de adaptação de serviços públicos e privados.
Usando o GPS do celular, o Biomob permite pesquisar locais acessíveis nas redondezas de acordo com tipos de serviço (como alimentação, lazer, hospedagem e saúde), e também permite registrar e ler avaliações sobre a estrutura. O usuário pode dar notas de 1 a 5 para as adaptações em calçadas, entradas, acesso a veículos, circulação interna, banheiro e indicações audiovisuais de um local. A plataforma informa ainda se o local avaliado disponibiliza auxílios a deficientes visuais, cadeira de rodas, mobiliário adaptado e intérpretes de Libras.
Inicialmente lançado com avaliações feitas pela própria equipe, que conta com 12 pessoas, o Biomob hoje é uma rede colaborativa. Todas as avaliações são verificadas pelo time de Valmir e só são disponibilizadas para o público após a checagem. O resultado é um mapa que mostra o nível de acessibilidade tanto em locais de lazer quanto em outros tipos de serviço, como em consultórios médicos, em bancos e no transporte público.
Obstáculos no caminho
Valmir explica que teve a ideia de criar o aplicativo em 2014 porque percebeu que muitos de seus amigos se sentiam inseguros para sair de casa por conta da falta de estrutura. Vários deles ficavam praticamente reclusos por não saberem se encontrariam escadas sem rampas alternativas no caminho ou se haveria um banheiro adaptado, por exemplo.
Para o nadador Clodoaldo Francisco da Silva, seis vezes medalhista de ouro nas Paraolimpíadas de Atenas (2004), é constrangedor ter de pedir ajuda para fazer coisas básicas como entrar em um restaurante. Ele conta que seus desafios sempre começam pela porta dos locais, que muitas vezes têm um desnível que dificulta a entrada. Também lembra que muitos lugares não respeitam a distância necessária entre as mesas, impossibilitando a passagem da cadeira de rodas. Descobriu o aplicativo há dois meses e conta que já descobriu locais novos com ele.
— Tem informações sobre várias cidades, o que é ótimo porque eu viajo por todo o país.
Valmir conta que levou tempo para conseguir apoio, não apenas financeiro, mas também para a coleta de informações sobre diversos lugares até criar um banco de dados grande o suficiente para montar o mapa, que hoje abrange todo Brasil.
Voluntários avaliadores
Para aumentar o alcance das avaliações, são organizados mutirões onde voluntários ajudam a analisar determinadas áreas. O próximo será no dia 14 de junho, no perímetro do Parque Ibirapuera, em São Paulo. A meta é realizar 30 mutirões por todo país até o fim do ano.
— Se queremos saber como podemos ajudar a pessoa com deficiência, a melhor forma é perguntando e dando a ela a oportunidade de participar do processo. Eles precisam de autonomia. Se não dá para circularem sozinhos no local, então não é completamente acessível —provoca Valmir.
Luciana, que é conselheira municipal de trânsito e transporte em São Paulo, conta existirem mais de 20 mil pedidos de intervenção para acessibilidade só na capital, e diz que a prefeitura não trata essas requisições como prioridade. Na falta de um suporte dos órgãos públicos, ela acessa o Biomob todos os dias para planejar seus passeios.
— Dá uma segurança de sair de casa e saber como chegar no lugar sem ter problemas, além de poder conhecer lugares novos. E aí vemos que a deficiência, na verdade, é muito mais estrutural do que minha. Porque quando entro num prédio sem problemas, sem precisar de ajuda, é como se a minha deficiência sumisse.
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